04 janeiro 2009

Sem sindicatos a sociedade será diferente

Sem sindicatos a sociedade será diferente.

Cornelia Girndt falou com Paul Krugman em Frankfurt. A entrevista foi publicada na revista Mitbestimmung (co-gestão) 6/2008.

A tradução é de Markus Wochnik.

O economista norte-americano Paul Krugman fala sobre a importância das instituições e dos valores que pugnam por maior igualdade na sociedade e sobre a responsabilidade dos políticos.

PAUL R. KRUGMAN, 55, catedrático em Princeton e prémio Nobel de 2008, é um dos economistas mais conhecidos do mundo. As suas colunas anti-Bush no New York Times têm um grande número de apreciadores. Numa conferência recente de Paul Krugman em Frankfurt estiveram presentes 450 pessoas.

A Fundação Hans Böckler organizou este evento em conjunto com da Editora Campus e o Consulado-Geral dos EUA. Krugman é o autor de 20 livros e o seu novo livro, “After Bush: The End of Neoconservatism and the Hour of the Democrats” [Depois de Bush: O fim do neo-conservadorismo e a hora dos democratas] denuncia a desigualdade social nos Estados Unidos causada pela política dos Republicanos neo-conservadores.

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Senhor Krugman, defende que os EUA voltem a ser uma sociedade de classe média, como nos anos 50 e 60. Não foi essa uma idade de ouro para os trabalhadores?

Não concordo, porque aí falta-me muitas vezes a evidência empírica. Diz-se que a culpa é das enormes desigualdades nos EUA na era da globalização, mas ela também se faz notar noutros países. Também se diz que a procura de trabalhadores bem qualificados exigiu vencimentos desiguais. Mas nem isso está certo, porque hoje em dia mesmo os americanos bem qualificados não ganham muito bem.

Qual a sua resposta perante o facto de hoje em dia a desigualdade nos EUA ser tão grande como nos anos vinte?

A mudança ocorreu nas instituições e nos valores. Instituições que antigamente lutaram por mais igualdade nos vencimentos, como os sindicatos norte-americanos, desapareceram. Já não se considera indecente o presidente da direcção ganhar 300 vezes mais do que um trabalhador.

Escreve, que a situação material da família típica norte-americana não avançou nos últimos 30 anos. Como pode isso acontecer, sobretudo numa democracia?

Se hoje em dia a família típica norte-americana tem mais poder de compra, é só porque a mulher também trabalha. Isso não pode ser interpretado como um aumento do salário. Para entender porque os republicanos que implementaram de modo massivo o crescimento da desigualdade através da sua política de impostos, ganharam tantas eleições, temos que olhar para o Sul dos EUA. Aí as maiorias eleitorais alteraram-se substancialmente. Os brancos mudaram de cor política e passaram a votar republicano. A razão é a questão racial não resolvida.

Argumenta que as sociedades de classe média mais proeminente têm que ser criadas através da actuação política. Isto implica impostos altos para os ricos e as empresas e a existência de um estado social alargado. Mas será que essas receitas do New-Deal ainda são actuais?

Isso merece uma tentativa. Vamos ao meu tema preferido. Os EUA são o único país industrializado que não tem um seguro público de saúde, mesmo hoje quando as suas vantagens para a sociedade se tornaram evidentes. Alguns dizem que não é possível cobrar impostos mais altos nos EUA, mas no Canadá, nosso vizinho e parte da economia norte-americana altamente integrada, cobra impostos no valor de quase 9% do PIB e há, neste país, um seguro público de saúde e um movimento sindical bem organizado. Porque é que nós nos EUA não podemos implementar também uma política moderna?

Mas porque é que isso não acontece?

A razão principal é a questão da raça. Quando se fala em apoio social, a maioria das pessoas nos países ocidentais pensa: isto é certo, porque eu também posso acabar numa situação de necessidade destas. Nos EUA muitos pensam: apoio social é o que recebem as pessoas que não tem nada a ver comigo. Porque devo eu apoiar essa gente?

Como se explica, que um trabalhador da General Motors há 35 anos tivesse ganho, medido em poder de compra, o dobro do que hoje ganha uma vendedora na WalMart?

Isso foi sobretudo o mérito dos United Auto Workers. A indústria automóvel tinha um sindicato poderoso e eficaz. Esses tempos acabaram nos anos 80 quando a WalMart se tornou a maior empresa dos EUA e quando os empresários, durante a administração Reagan, ficaram com as mãos livres para fazer tudo o que quisessem para evitar as actividades sindicais.

As vendedoras da WalMart não ganham assim tão pouco também por serem mulheres?

Isso pode ser um argumento. Mas vejamos como mudou a indústria automóvel nos EUA. Quem hoje em dia trabalha para a General Motors ainda é bem pago, se tiver um emprego. Mas os fornecedores que, nos EUA, trabalham para a Nissan e a Toyota ganham 10 dólares por hora. E muitos não têm apoio em caso de doença.

Como economista que afirma que foram as instituições e os valores que, depois da guerra, criaram a sociedade de classe média e limitaram a desigualdade nos EUA. Que papel desempenharam os sindicatos norte-americanos neste processo?

Este papel foi muito mais importante do que pensávamos até agora. Enquanto tivemos nos EUA um movimento sindical poderoso, os economistas mostraram-se muito cépticos em relação à sua importância. Só agora, quando já não temos sindicatos, sabemos dar o valor ao que representavam. Os sindicatos não só fazem aumentar os salários dos seus sócios, mas também dos trabalhadores não organizados, uma vez que os empregadores se orientam por eles. Também contribuem para a existência de salários mais nivelados. Em empresas sindicalmente organizadas é menos frequente que o director se pague um salário tão exagerado a si próprio.

Sindicatos fortes também melhoram a participação activa na vida democrática?

Sabemos que os sindicalistas mobilizam as pessoas à sua volta para participarem nas eleições. Vistos os factores todos mencionados chega-se ao resultado que uma sociedade com 30% dos trabalhadores sindicalizados é diferente de uma sociedade só com 12% sindicalizados.

No seu livro dá uma explicação para o retrocesso do movimento sindical norte-americano. É lícito dizer-se que foi premeditadamente trucidado?

Claro que sim! Os gestores fizeram um esforço consistente para diminuir os sindicatos nas novas indústrias e para impedir que ganhassem influência. De outra maneira não se pode explicar porque o sector de serviços não conheceu uma organização sindical semelhante quando o peso económico principal passou da indústria para os serviços.

A questão é pois simples. Porque é que a WalMart com quase um milhão de trabalhadores não tem um sindicato decente?

A resposta é a seguinte. Não o tem porque a WalMart teve mãos livres para actuar agressivamente contra a organização sindical na empresa. Sabemos que muitos trabalhadores foram ilegalmente despedidos por serem suspeitos de actividade sindical.

Um exemplo?

Nos EUA os “supervisores” não têm direito à organização sindical. Há dois anos uma enfermeira contestou esta proibição por via judicial. A sentença do tribunal foi que quem orienta um outro trabalhador é um supervisor e por conseguinte não tem direito à organização sindical na empresa. Disto também dependem as negociações colectivas nos EUA. Nós fizemos as contas, e chegamos ao resultado que aqui em Princeton só uma única pessoa teria o direito à organização sindical. Isto é ridículo.

Perspectiva-se um presidente dos EU que possa alterar isto?

Bill Clinton era uma pessoa aberta quanto aos interesses dos trabalhadores, mas com o Congresso dominado pelos Republicanos não foi capaz de fazer grandes alterações. Hillary Clinton teria feito alguma coisa tendo agora o Congresso do seu lado. De Obama não sabemos se dará apoio substancial aos interesses dos trabalhadores.

Na campanha eleitoral Barack Obama foi apoiado pelo grande banco de investimento Goldman Sachs. Porque o capitalismo financeiro não tem quase nenhum papel no seu livro?

Com certeza teria mais importância se tivesse escrito o livro depois da última crise financeira. E certamente as pessoas que trabalham no sector financeiro nos EUA recebem os vencimentos mais altos. Mas não creio que isso seja um ponto central. O extraordinário crescimento da desigualdade entre pobres e ricos nos EUA data dos anos oitenta, a explosão do sector financeiro só ocorreu no fim dos anos noventa.

Diz que, em princípio, os gestores definem os seus próprios salários e que só o protesto os pode refrear. Então a indignação é boa?

Antigamente havia audições no Congresso e os sindicatos protestavam quando uma direcção se mostrou demasiado gananciosa. O presidente da direcção da General Motors recebia nos anos sessenta 4,5 milhões de dólares, segundo o poder de compra actual, o que na altura levou a grandes controvérsias. Há pouco li numa nota de um jornal que o presidente da direcção da Exxon Mobile recebeu 400 milhões de dólares de indemnização de reforma. E isto que é considerado normal?