14 junho 2010

SOBRE A CRISE – O CINISMO!


(a propósito de um titulo no jornal “Les Temps”, de Genebra - Suiça, de hoje)

O jornal de hoje escreve como título no suplemento de economia e finanças:

Uma crise bancária somente diferida? A mobilização dos Estados permitiu evitar o pior. Mas a sombra do padrão da Grécia ainda paira

Está tudo dito: o capital financeiro e especulador, funcionando com toda a liberdade, ou seja, sem controlo e utilizando todos instrumentos que a desregulação dos últimos vinte anos produziu, criou a crise em 2008.

De repente, os Estados, todos os Estados do Mundo, começando pelos EUA e o seu Presidente ultra liberal, conservador e reaccionário G.W. Bush, compreenderam que tinham que intervir no sistema financeiro sob pena de se realizarem falências em série de bancos totalmente esgotados.

O primeiro cinismo surgiu exactamente neste momento: o Estado, aquele Estado que os neoliberais e neoconservadores tinham estigmatizado, procurado desmantelar em todas as suas vertentes e atacado duramente nos últimos vinte anos, de repente foi convocado enquanto única instituição capaz de suportar a dimensão e a profundidade da crise e impedir a falência dio sistema bancário!

Naturalmente que a falência do sistema bancário seria absolutamente errada e teria tido efeitos catastróficos em todas as dimensões da vida das Sociedades, penalizando especialmente as camadas mais desfavorecidas – e, exactamente por isto, o seu salvamento foi positivo!

Mas os Estados agiram desta forma sem alterarem o funcionamento do sistema financeiro, que se manteve a funcionar “livremente” como anteriormente. Este foi o segundo cinismo – quem provocou a crise recebeu todo o apoio e não “pagou” politicamente por esse apoio, ou seja, os seus mecanismos de funcionamento continuaram operar como antes da crise, o que quer dizer que todas as causas continuam e mantém-se!

Mas a crise do sistema financeiro existiu realmente e, por isso, a economia real entrou também em crise. A consequência? Da crise da economia real surgiram os despedimentos, ou seja, foi criada uma crise social com um volume impressionante de desempregados.

O Estado, de novo, foi convocado para suportar a economia real para que a sua crise não se aprofundasse, levando a maiores despedimentos.

E os Estados fizeram um enorme investimento público. Por um lado, em obras publicas e outras actividades económicas e, por outro, em apoio a políticas activas de emprego e de apoio a desempregados.

Com uma intervenção tão forte nas principais esferas da actividade social, a divida soberana dos Estados subiu a níveis elevados.

Mas esta divida do Estado foi o preço a pagar pelo conjunto da Sociedade para que a crise do sistema financeiro não tivesse tido consequências dramáticas para o estilo e os níveis de vida em sociedade já que se alastraria dentro desta para os que são mais frágeis e desprotegidos (reformados e trabalhadores) mas também tocaria os micro, pequenos e médios empresários.

Agora, chegamos ao terceiro cinismo: com o Estado sobre-endividado, (pelas causas conhecidas!) o sistema financeiro – o “mercado”!!!!– afirma que tal situação é um perigo e exige medidas draconianas para controlar o deficit:, concretamente redução de direitos sociais em todas as direcções: subsidio de desemprego, apoio a politicas activas de emprego, redução de reformas, redução de direitos no sistema de saúde, redução ou congelamento de salários, desregulação de direitos laborais, com maior disponibilidade para despedir, entre outras medidas!

E o sistema financeiro e as agências de rating, que foram a fonte primária da actual situação, posicionam-se como nada tivesse sucedido e mantêm-se como antes da crise – até á próxima crise, que será, certamente próxima porque todos os elementos estruturais continuam e recomendam-se!!!

É a quinta-essência do cinismo!

Por isto, os socialistas e outros militantes sociais têm que construir uma plataforma politica estrutural para enfrentar e transformar a actual situação – sob pena de todos perdermos!

Por isto, os sindicalistas têm que continuar a lutar para que a base social de apoio central – os trabalhadores e os reformados - tenha orientação e direcção na sua acção.

Esta é a única forma de não se cair em populismos e demagogias, sejam elas de direita sejam de esquerda!

Carlos Trindade
Secretário-Geral da
Corrente Sindical Socialista da CGTP-IN
Membro da Comissão Executiva do
Conselho Nacional da CGTP-IN


Nota:
Carlos Trindade está a participar na 99.ª Conferência Internacional da OIT - Organização Internacional do Trabalho em Genebra - Suíça.