Por
Nuno Ramos de Almeida
Jornalista
Enquanto a Europa rebenta, o mundo está em guerra, os bancos europeus vão implodir, os mandarins de Berlim e os burocratas de Bruxelas sonham chicotear os povos do sul da Europa para mostrarem quem manda
O diário espanhol “El País” recolheu a opinião de duas dezenas de reputados economistas internacionais sobre a justeza e eficácia das sanções propostas pela União Europeia a Portugal e Espanha. Os economistas que, em geral, não costumam coincidir em muitas coisas e normalmente não conseguem prever ao mesmo tempo a taxa de juro e a de desemprego, são unânimes em qualificar este procedimento como perigoso, desastroso e criminoso. O “Jornal de Negócios” traduziu alguns desses depoimentos. Para se perceber o tom, deixo aqui alguns para meditação dos leitores.
Peter Bofinger, do Conselho Alemão de Peritos Económicos: “A austeridade orçamental severa aplicada entre 2011 e 2013 conduziu a uma recessão em Portugal e Espanha. Violar o Pacto era o adequado, a par com as medidas de estímulo do BCE. Os défices de Portugal e Espanha não são muito maiores do que os de economias avançadas como os EUA, o Reino Unido, Japão ou França.”
Charles Wyplosz, Graduate Institute: “As sanções são o equivalente a uma bomba atómica: uma arma de dissuasão que nunca se deve usar. O problema é que na Comissão Europeia já não há economistas. Esperemos que a plêiade de advogados e diplomatas de Bruxelas encontre uma forma inteligente de se esquivar deste absurdo.”
Carmen Reinhart, Harvard: “Não consigo imaginar um timing mais errado. O Brexit é um sinal global de divisão dentro da UE. As sanções seriam o segundo.”
Paul De Grauwe, London School: “Não me lembro de um grau de estupidez económica semelhante. A Comissão aplica uma e outra vez regras que deixaram marcas em milhões de pessoas.”
Wolfgang Münchau, Eurointelligence: “A única razão pela qual continuamos com esta charada é porque a Comissão perdeu a credibilidade e não sabe como recuperá-la. E encontrou dois pobres diabos, Portugal e Espanha.”
Se, visivelmente, as sanções não têm uma razão económica e são potencialmente desastrosas numa altura em que o Reino Unido negoceia a sua saída da Europa e que o Deutsche Bank está à beira de implodir o sistema bancário europeu, por que razão a Alemanha e os seus cães de fila têm tanto empenho em lançar mais gasolina para a fogueira e tentar afundar ainda mais as economias de Espanha e de Portugal?
A austeridade da troika e as sanções nunca foram mecanismos económicos, são instrumentos de poder. A austeridade é a forma como a luta de classes se faz nos países desenvolvidos. Ela serve para três coisas: liquidar o Estado social, reduzir ainda mais a participação no rendimento nacional do fator trabalho e, sobretudo, serve para garantir que, independentemente das eleições e da vontade das populações, as políticas que são executadas são sempre neoliberais e consoantes com a vulgata ideológica do ministro das Finanças alemão e do seu amestrado Partido Popular Europeu. De outra maneira, não se entenderia que numa altura em que, pela primeira vez, Portugal consegue cumprir os critérios dos tratados da União Europeia, leve um castigo que o impeça por muitos anos de o fazer. Aquilo que está na base das sanções é pura e simplesmente a chantagem: é visível que Portugal e Espanha necessitam de outra política para sair da crise e acabar com a espiral recessiva e de empobrecimento das suas populações. O que o sr. Wolfgang Schäuble teme mais do que a crise e a implosão da União Europeia é que fique claro que a política que andou a pregar era totalmente irracional, do ponto de vista económico e apenas serve para nos manter como servos do governo alemão e do capital financeiro. Por isso, as sanções serão duras: elas pretendem afundar os países que tentarem fugir da chibata de Berlim.
Na sua cegueira de ter o poder absoluto de impor a sua ideologia caduca, os autores destas políticas não entendem que estão a contribuir para uma tempestade perfeita. Nada ficará igual depois dos tempos que se avizinham . Teremos provavelmente saudades do passado ou construiremos um novo futuro, mas uma coisa é certa: o rastilho está a arder e esta gente está a armar uma enorme explosão.
Como escrevia o teórico comunista italiano Antonio Gramsci, morto nas prisões fascistas:
“O velho mundo morreu
O mundo novo tarda
E nesta obscuridade
surgem os monstros.”
A única coisa que nos alivia é que não tarda que o sr. Wolfgang Schäuble caia da cadeira. Será menos um.