Aqui publicamos o Comunicado da FNAM divulgado hoje:
"Ao longo de várias décadas
as urgências hospitalares têm suscitado, ciclicamente, delicadas controvérsias,
faltando sempre a implementação de uma política global para encontrar soluções
estruturais ao nível dos problemas fundamentais desta área prestadora de
cuidados de saúde.
Apesar de em diversas
situações se terem elaborado estudos por algumas equipas ministeriais, visando
o diagnóstico da situação e a elaboração de medidas concretas para a superação
dos problemas detetados, o que se torna óbvio é que nunca foi definida uma
política integral para esta área.
Entretanto, o facto de
termos assistido durante largos anos a um claro aumento da capacidade de
resposta dos centros de saúde e à melhoria significativa do desempenho
altamente qualificado da medicina geral e familiar, não foi suficiente para uma
diminuição do recurso às urgências e ao desaparecimento integral das imagens
chocantes de doentes amontoados nos corredores.
Perante a divulgação do
gravíssimo facto da existência de 700 mortes nas urgências hospitalares nos
primeiros 20 dias do passado mês de Janeiro, o ministro da saúde fez
escandalosas declarações públicas afirmando que tal facto “nada tem de
assustador”.
Esta situação geral das
urgências surgiu como o resultado inevitável de uma política governamental de
sucessivos e profundos cortes orçamentais e de uma ação organizada visando
destruir eixos fundamentais do funcionamento do SNS.
A desorientação política e
operacional do Ministério da Saúde foi de tal forma evidente que ainda hoje não
foram tomadas quaisquer medidas estruturais sobre a Urgência.
Numa elucidativa atitude de
incapacidade em enfrentar os problemas existentes, o Ministério da Saúde a
única medida que conseguiu descobrir foi a apresentação da proposta de criação
das chamadas “equipas dedicadas à urgência”, sem explicitar o conteúdo da
medida.
Enquanto pretende, em ano de
eleições, apresentar-se preocupado com o funcionamento das urgências vai
adotando medidas escondidas de debilitamento do funcionamento e da capacidade
de resposta deste serviço, encerrando hospitais públicos e diminuindo o número
de camas.
O exemplo mais escandaloso é
a forma como tem vindo a desenvolver tentativas de destruição da Medicina
Intensiva a nível dos hospitais de maior dimensão.
Ainda no início deste ano a
ACSS anulou um concurso publicado em DR e aberto no âmbito da ARS do Centro
para o grau de Consultor de Medicina Intensiva.
Além deste tipo de medida
representar um retrocesso de décadas na estruturação de uma área médica
imprescindível ao adequado funcionamento global de um serviço de urgência,
constitui também um inadmissível impedimento na progressão na carreira médica
para diversos médicos que já têm largos anos de dedicação a esta área.
Importa ainda referir que no
âmbito das negociações dos Acordos de Empresa com várias entidades económicas
privadas que estão a gerir hospitais PPP, esses grupos económicos têm vindo a
colocar, curiosamente, como um dos aspetos centrais dos temas em discussão a
questão das chamadas “equipas dedicadas”. Pergunta-se, com que médicos e com
que formação?
Ora, tendo em conta este
contexto geral, entendemos divulgar a seguinte posição:
1 – Torna-se urgente definir
uma política nacional das urgências e não repetir a situação surgida ao longo
dos últimos anos de serem adotadas medidas pontuais em resposta à agudização de
aspetos de funcionamento destes serviços.
É indispensável uma política
que defina o que são as urgências, qual a sua missão e qual o papel que devem
desempenhar no contexto da rede de prestação de cuidados de saúde.
Que defina também as medidas
que permitirão desenvolver uma coordenação local e regional eficaz entre a
urgência e os outros segmentos assistências da rede de cuidados existente a
nível da comunidade envolvente.
Uma política que defina,
ainda, as ações específicas que permitam favorecer o relacionamento e a
integração harmoniosa do serviço de urgência no âmbito do funcionamento de cada
hospital.
2 – A repentina obsessão com
as chamadas “equipas dedicadas” visa, na nossa apreciação, facilitar, entre
outras questões, a entrega, em diversos casos, do serviço de urgência a
empresas de contratação de médicos indiferenciados.
Se tivermos em conta que já
hoje existe uma importante percentagem de médicos colocados nas equipas de
urgência que são oriundos de empresas e que muitos deles são indiferenciados,
não possuindo qualquer formação específica, podemos concluir facilmente que
instituindo legalmente essas equipas o caminho está muito facilitado para
legitimar essa opção política deste governo.
A este aspeto importa
acrescentar que a recente publicação de uma nova legislação sobre o Internato
Médico visa estabelecer medidas tendentes à criação de médicos indiferenciados.
Esta perspetiva ministerial
choca frontalmente com a qualidade dos cuidados de saúde praticados no serviço
de urgência, qualidade esta que tem sempre de constituir o princípio nuclear de
qualquer reforma que se pretenda levar a cabo nesta área hospitalar tão
sensível.
3 – Na nossa avaliação da
larga experiência acumulada, as “equipas dedicadas”, constituídas por médicos
sem formação e não integrados no corpo clínico da instituição, não fazem
qualquer sentido nem se traduzirão em qualquer benefício para o funcionamento
deste delicado e sensível serviço. O serviço de urgência constitui parte
integrante da formação e da experiência profissional dos médicos e tem de ser
assegurado no âmbito da atividade normal de cada médico na instituição onde se
encontra inserido.
4 – Não admitimos, pois,
negociar matérias desta natureza nos vários acordos de empresa, nomeadamente
nos atualmente em discussão com os hospitais geridos em modelo PPP, sem que se
encontrem devidamente clarificadas no plano da negociação nacional com o
Ministério da Saúde.
5– Qualquer reforma a
introduzir terá de levar em consideração a formação dos médicos internos. A sua
inclusão nestas equipas representaria uma grave limitação no desenvolvimento da
sua ação formativa e na aquisição de conhecimentos nas respetivas
especialidades, com diretas implicações nos resultados do exame final do seu
internato.
6 – A recente apresentação
pelo Ministério da Saúde de um projeto para a criação de uma área da Carreira
Médica relativa à “emergência pré-hospitalar” constitui mais um elucidativo
exemplo de que não existe uma ação ministerial estruturada visando a solução
dos problemas com que se debatem os serviços e que as propostas que vão
surgindo mais parecem destinadas a resolver situações de grupos de interesses.
7 – Estamos empenhados em
contribuir decisivamente para a resolução dos graves problemas existentes, mas
não estamos dispostos, em circunstância alguma, a caucionar medidas ao sabor de
círculos de interesses que nos suscitam as mais vivas apreensões. Com o sentido
de responsabilidade que se lhe reconhece, a FNAM irá apresentar propostas
alternativas para uma melhoria do funcionamento da Urgência Hospitalar."
Coimbra, 12/6/2015
A
Comissão Executiva da FNAM
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