12 junho 2015

A posição da FNAM sobre as Urgências e as chamadas “equipas dedicadas”.

Aqui publicamos o Comunicado da FNAM divulgado hoje:

"Ao longo de várias décadas as urgências hospitalares têm suscitado, ciclicamente, delicadas controvérsias, faltando sempre a implementação de uma política global para encontrar soluções estruturais ao nível dos problemas fundamentais desta área prestadora de cuidados de saúde.

Apesar de em diversas situações se terem elaborado estudos por algumas equipas ministeriais, visando o diagnóstico da situação e a elaboração de medidas concretas para a superação dos problemas detetados, o que se torna óbvio é que nunca foi definida uma política integral para esta área.

Entretanto, o facto de termos assistido durante largos anos a um claro aumento da capacidade de resposta dos centros de saúde e à melhoria significativa do desempenho altamente qualificado da medicina geral e familiar, não foi suficiente para uma diminuição do recurso às urgências e ao desaparecimento integral das imagens chocantes de doentes amontoados nos corredores.

Perante a divulgação do gravíssimo facto da existência de 700 mortes nas urgências hospitalares nos primeiros 20 dias do passado mês de Janeiro, o ministro da saúde fez escandalosas declarações públicas afirmando que tal facto “nada tem de assustador”.

Esta situação geral das urgências surgiu como o resultado inevitável de uma política governamental de sucessivos e profundos cortes orçamentais e de uma ação organizada visando destruir eixos fundamentais do funcionamento do SNS.

A desorientação política e operacional do Ministério da Saúde foi de tal forma evidente que ainda hoje não foram tomadas quaisquer medidas estruturais sobre a Urgência.

Numa elucidativa atitude de incapacidade em enfrentar os problemas existentes, o Ministério da Saúde a única medida que conseguiu descobrir foi a apresentação da proposta de criação das chamadas “equipas dedicadas à urgência”, sem explicitar o conteúdo da medida.

Enquanto pretende, em ano de eleições, apresentar-se preocupado com o funcionamento das urgências vai adotando medidas escondidas de debilitamento do funcionamento e da capacidade de resposta deste serviço, encerrando hospitais públicos e diminuindo o número de camas.

O exemplo mais escandaloso é a forma como tem vindo a desenvolver tentativas de destruição da Medicina Intensiva a nível dos hospitais de maior dimensão.

Ainda no início deste ano a ACSS anulou um concurso publicado em DR e aberto no âmbito da ARS do Centro para o grau de Consultor de Medicina Intensiva.

Além deste tipo de medida representar um retrocesso de décadas na estruturação de uma área médica imprescindível ao adequado funcionamento global de um serviço de urgência, constitui também um inadmissível impedimento na progressão na carreira médica para diversos médicos que já têm largos anos de dedicação a esta área.

Importa ainda referir que no âmbito das negociações dos Acordos de Empresa com várias entidades económicas privadas que estão a gerir hospitais PPP, esses grupos económicos têm vindo a colocar, curiosamente, como um dos aspetos centrais dos temas em discussão a questão das chamadas “equipas dedicadas”. Pergunta-se, com que médicos e com que formação?

Ora, tendo em conta este contexto geral, entendemos divulgar a seguinte posição:

1 – Torna-se urgente definir uma política nacional das urgências e não repetir a situação surgida ao longo dos últimos anos de serem adotadas medidas pontuais em resposta à agudização de aspetos de funcionamento destes serviços.
É indispensável uma política que defina o que são as urgências, qual a sua missão e qual o papel que devem desempenhar no contexto da rede de prestação de cuidados de saúde.
Que defina também as medidas que permitirão desenvolver uma coordenação local e regional eficaz entre a urgência e os outros segmentos assistências da rede de cuidados existente a nível da comunidade envolvente.
Uma política que defina, ainda, as ações específicas que permitam favorecer o relacionamento e a integração harmoniosa do serviço de urgência no âmbito do funcionamento de cada hospital.

2 – A repentina obsessão com as chamadas “equipas dedicadas” visa, na nossa apreciação, facilitar, entre outras questões, a entrega, em diversos casos, do serviço de urgência a empresas de contratação de médicos indiferenciados.
Se tivermos em conta que já hoje existe uma importante percentagem de médicos colocados nas equipas de urgência que são oriundos de empresas e que muitos deles são indiferenciados, não possuindo qualquer formação específica, podemos concluir facilmente que instituindo legalmente essas equipas o caminho está muito facilitado para legitimar essa opção política deste governo.
A este aspeto importa acrescentar que a recente publicação de uma nova legislação sobre o Internato Médico visa estabelecer medidas tendentes à criação de médicos indiferenciados.
Esta perspetiva ministerial choca frontalmente com a qualidade dos cuidados de saúde praticados no serviço de urgência, qualidade esta que tem sempre de constituir o princípio nuclear de qualquer reforma que se pretenda levar a cabo nesta área hospitalar tão sensível.

3 – Na nossa avaliação da larga experiência acumulada, as “equipas dedicadas”, constituídas por médicos sem formação e não integrados no corpo clínico da instituição, não fazem qualquer sentido nem se traduzirão em qualquer benefício para o funcionamento deste delicado e sensível serviço. O serviço de urgência constitui parte integrante da formação e da experiência profissional dos médicos e tem de ser assegurado no âmbito da atividade normal de cada médico na instituição onde se encontra inserido.

4 – Não admitimos, pois, negociar matérias desta natureza nos vários acordos de empresa, nomeadamente nos atualmente em discussão com os hospitais geridos em modelo PPP, sem que se encontrem devidamente clarificadas no plano da negociação nacional com o Ministério da Saúde.

5– Qualquer reforma a introduzir terá de levar em consideração a formação dos médicos internos. A sua inclusão nestas equipas representaria uma grave limitação no desenvolvimento da sua ação formativa e na aquisição de conhecimentos nas respetivas especialidades, com diretas implicações nos resultados do exame final do seu internato.

6 – A recente apresentação pelo Ministério da Saúde de um projeto para a criação de uma área da Carreira Médica relativa à “emergência pré-hospitalar” constitui mais um elucidativo exemplo de que não existe uma ação ministerial estruturada visando a solução dos problemas com que se debatem os serviços e que as propostas que vão surgindo mais parecem destinadas a resolver situações de grupos de interesses.

7 – Estamos empenhados em contribuir decisivamente para a resolução dos graves problemas existentes, mas não estamos dispostos, em circunstância alguma, a caucionar medidas ao sabor de círculos de interesses que nos suscitam as mais vivas apreensões. Com o sentido de responsabilidade que se lhe reconhece, a FNAM irá apresentar propostas alternativas para uma melhoria do funcionamento da Urgência Hospitalar."

Coimbra, 12/6/2015

                                                                                              A Comissão Executiva da FNAM

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