Revolução
Russa: da esperança dos
excluídos aos desafios do futuro
A 7 de Novembro, comemora-se os cem anos
da Revolução Russa.
A Corrente Sindical Socialista da
CGTP-IN (CSS da CGTP-IN) saúda fraternalmente o centenário da Revolução Russa,
seja por aquilo que ela representou no contexto da sua época seja pelos
ensinamentos que proporciona a todos aqueles que se empenham na transformação
da sociedade perante os problemas e desafios contemporâneos.
A
Revolução Russa no seu tempo – a esperança dos excluídos
À época, no mundo, a Revolução Russa
provocou, nas enormes massas de trabalhadores oprimidos e excluídos, uma grande
onda de esperança e de mudança na sociedade, solucionando os graves problemas
sociais em que viviam.
Em 1917, a carnificina nas trincheiras
da guerra de milhões de trabalhadores e camponeses fardados somente aumentou e
agudizou, de uma forma atroz, as terríveis condições de trabalho então
existentes nas fábricas, nas minas e nos campos, e a situação verdadeiramente
indigente em que viviam dezenas de milhões de operários e suas famílias.
A guerra e o seu cortejo de morte e
destruição tornaram a vida quase impossível para a larga maioria da população,
aumentando as suas carências e aprofundando a sua exclusão social.
O exemplo da Revolução Russa, para os
excluídos da sociedade construída pela Revolução Industrial, com as suas
consignas de PAZ, PÃO e TERRA, percorreu a Europa e o mundo, criando, muito
justamente, a esperança em como não somente era necessário como,
principalmente, era possível mudar o estado insuportável e injusto em que
trabalhavam e viviam!
Das
principais realizações da Revolução Russa aos ensinamentos da História
Com a Revolução Russa, a História
efectivamente mudou!
Essa mudança foi vastíssima,
projectou-se em todos os campos da sociedade e contribuiu, nalguns casos
decisivamente, para moldar o mundo em que hoje vivemos.
De imediato, a Revolução Russa trouxe a
PAZ ao povo russo, com a assinatura dos acordos com a Alemanha, e a TERRA a
dezenas de milhões de camponeses, com a nacionalização e a distribuição de
terras da nobreza czarista e dos latifundiários aos camponeses.
Depois, no processo político que se lhe
seguiu, destacando-se a formação política da URSS e, após a Segunda Guerra
Mundial, com a criação da respectiva esfera de influência na geoestratégia
mundial.
A Revolução Russa trouxe importantes e
profundas mudanças políticas, sociais, científicas, culturais e geopolíticas,
entre muitas outras, que devem ser devidamente recordadas e valorizadas neste
momento, na economia, na organização política, no campo social, na vida em sociedade,
no desenvolvimento tecnológico, nas relações internacionais e na geopolítica,
nos equilíbrios geoestratégicos. Quanto a estes, é fundamental destacar o seu
papel, seja na Segunda Guerra Mundial e na derrota do nazi-fascismo, para a
destruição do qual contribuiu decisivamente, seja, no impulso ao processo de
descolonização em África e na Ásia.
O fim da Guerra-Fria, nos finais dos
anos oitenta, e a implosão da URSS, no início dos anos noventa, desequilibrou a
relação de forças mundial e abriu a porta à actual pujança do neoliberalismo,
ao unilateralismo geoestratégico dos EUA e ao aventureirismo de vários
presidentes americanos, como G. W. Bush e o actual D. Trump.
Se este é o principal legado da
Revolução Russa, por outro lado, porém, não devemos omitir o seu reverso.
Após os seus primeiros tempos heróicos,
a Revolução Russa perdeu a dimensão humana da transformação da sociedade na
voragem da elevação colectivista e na generalização do controle férreo e total
do Estado em todas as dimensões da vida social, enquanto que os direitos humanos,
a liberdade e a democracia foram considerados altamente subversivos e forte e
duramente reprimidos. Aliás, uma das suas consignas iniciais, “Todo o poder aos sovietes (conselhos)!”,
muito cedo desapareceu, e a ausência de democracia na sociedade e de controle
operário nas unidades de produção foi total, sendo substituídos por um poder
absoluto do Estado, em todas as esferas da vida social, até ao limite do
inaceitável.
Este processo foi acompanhado por uma
generalização de acções securitárias e policiais, cuja expressão maior foi o
GULAG, e pela criação e elevação ao extremo do culto de personalidade de
Estaline.
Esta ausência de democracia e
participação encontra-se na própria génese da Revolução Russa.
Imediatamente após a Revolução, as
primeiras eleições que estavam então a decorrer para a Assembleia Constituinte
russa, a Duma, foram suspensas e os seus resultados anulados, tendo a própria
Assembleia Constituinte sido dissolvida por ordem de Lenine a 6 Janeiro de 1918.
Razão – os bolcheviques estavam a perder as eleições (com 22% dos votos), e os
socialistas-revolucionários a ganhá-las (com 40% dos votos).
Desde então e durante todo o período
soviético, nunca mais existiram eleições livres e democráticas na Rússia.
Por outro lado, após a destruição da
democracia representativa, em 1918, o poder bolchevique eliminou a democracia
participativa, entre 3 a 17 de Março de 1921. Neste período, as tropas russas,
comandadas pelo comissário da guerra Leon Trotski, atacaram militarmente a base
naval de Kronstadt, junto a Petrogrado, e destruíram a tiro o seu soviete.
Razão – os seus marinheiros, que tinham sido um dos principais esteios da
Revolução em 1917, passaram a criticar o poder bolchevique e a sua ambição de
total controlo dos sovietes. Desta forma, a consigna inicial dos bolcheviques, “Todo o poder aos soviéticos”,
desapareceu na voragem dita revolucionária.
Assim foi esmagada a democracia na
Revolução Russa – a representativa em 1918 e a participativa em 1921. Em sua
substituição, instalou-se um poder total, sem participação nem democracia – o
poder bolchevique.
No empolgamento da Revolução e em todo o
processo subsequente, estes factos maiores foram sendo omitidos – mas hoje são
considerados uma marca identitária do processo revolucionário soviético e da
génese da própria ideologia que o sustentou.
A vontade do poder bolchevique de
controlar totalmente a sociedade estendeu-se a todas as esferas da vida social.
Impedir por todas as formas, incluindo a das armas e outras formas de
repressão, a acção democrática e a participação popular passou a ser uma
prática comum. Os sindicatos, já então as maiores organizações sociais que
existiam, foram um dos seus alvos privilegiados desde a primeira hora. A célebre
enunciação de Lenine “os sindicatos são a
corrente de transmissão do partido junto aos trabalhadores” expressa,
exacta e simultaneamente, a relevância dos sindicatos e a necessidade do seu
domínio absoluto pelo partido bolchevique, como forma de controlar os próprios
trabalhadores e a sua acção colectiva. Qualquer sindicalista que tivesse um
sentido, mesmo pequeno, de independência orgânica ou autonomia ideológica dos
sindicatos era considerado criminoso – durante o poder bolchevique, os
sindicatos foram sempre considerados uma extensão do partido e uma parte do
aparelho de Estado.
Através destas variadas formas, a
Revolução Russa, ao longo das décadas, perdeu a sua seiva criadora, esvaziou a
sua fonte mobilizadora, desperdiçou a sua capacidade atractiva das massas e
alienou a maior parte da sua base social de apoio, quer na própria Rússia quer
a nível mundial.
Porém, todo o século XX foi marcado
indelevelmente pela Revolução Russa – em todos os seus ensinamentos, sejam os
de carácter positivo sejam os de carácter negativo – e nada oblitera a sua
importância na História contemporânea.
Mas a História não se repetirá!
Não somente porque as circunstâncias
actuais são totalmente diferentes como, principalmente, porque a experiência
histórica da Revolução Russa (e outras que nela se inspiraram) demonstrou que,
essencialmente, aquele não é o caminho e que é necessário um outro caminho para se realizar a necessária transformação da sociedade.
A transformação económica, social, política
e cultural da sociedade tem de ser realizada, sempre, com a participação
democrática dos cidadãos e o respeito pelos direitos humanos – somente desta
forma as transformações serão perenes, porque os cidadãos as incorporam e vivificam
quotidianamente e as projectam no futuro. Ditaduras, seja de que natureza for,
estão condenadas a prazo, como a História o demonstra, incluindo a da Revolução
Russa!
A Revolução Russa demonstrou que não
existem determinismos históricos previamente inscritos no processo de
desenvolvimento humano – à partida, não existem “Amanhãs que cantam”, tal como não existe qualquer “Fim da História!”.
São os homens e mulheres, com a sua
inteligência, capacidade, participação, dedicação, espírito de sacrifício e
acção, que constroem o presente e projectam o futuro – são eles que fazem a
História!
Saudar, hoje, a Revolução Russa é,
principalmente, ter a certeza de que o mundo continuará a ser transformado pela
acção do Homem, mas que esta Revolução não é nem pode ser replicada.
Bem pelo contrário, os seus ensinamentos
têm de ser devidamente considerados e valorizados mas inseridos no seu contexto
e estudados em todas as suas consequências. Comemorar encomiasticamente hoje a
Revolução Russa, descontextualizando-a e não a compreendendo à luz da realidade
actual, é colocá-la como “peça”
estimável e louvável no Museu da História e não como um “laboratório” da transformação social da humanidade que devemos
estudar em todas as suas dimensões e consequências.
Os
desafios do futuro – a necessidade de transformação do mundo
Saudar actualmente a Revolução Russa é,
essencialmente, estudar o processo histórico e analisar o actual mundo em que
vivemos, para melhor o transformarmos.
Concretamente:
1. Compreender que o neoliberalismo se apropriou da
Revolução Científica e Técnica que se desenvolve aceleradamente nas sociedades
humanas desde os anos oitenta do século passado, revolucionando e globalizando
a economia, o ambiente, a política, o social e o cultural, e que procura impor
a todas as dimensões da sociedade a sua visão filosófica – que os interesses
egoístas dos indivíduos se impõem às conveniências do conjunto da comunidade,
desta forma tentando individualizar e mercantilizar todas as relações sociais e
destruir as inúmeras práticas de solidariedade existentes em todos os níveis e
espaços da vida comunitária;
2. Reconhecer que este processo está a criar mais
riqueza mas, simultaneamente, aprofunda as desigualdades entre a esmagadora
maioria da população, particularmente os trabalhadores e as classes populares,
que regrediu nas suas condições de vida, de trabalho e de oportunidades,
excluindo-a de ser beneficiária efectiva do crescimento económico, e a pequena
minoria possidente que concentra a riqueza e o poder económico e que, na
generalidade, tenta controlar o próprio poder político, em última análise,
subvertendo a própria democracia e colocando em sério risco os direitos humanos;
3.
Assumir que, neste quadro, o mundo actual é
injusto e tem de ser transformado – a situação existente não pode continuar,
com tendência para piorar! A injustiça, a miséria e a marginalização que os
trabalhadores e outras classes populares sofrem não podem continuar, bem pelo
contrário, têm de ser combatidas, e é fundamental “coser” este combate sem tréguas ao neoliberalismo com a luta
consequente pela democracia económica, social, política e cultural, o
desenvolvimento sustentável e a repartição da riqueza – somente desta forma os
trabalhadores e outras classes populares alcançarão o bem-estar e justiça social,
a vida com dignidade, paz e liberdade a que têm direito!
Neste ano em que se comemora o centésimo
aniversário da Revolução Russa, a CSS da CGTP-IN continua a reivindicar a
transformação da sociedade e incentiva os seus militantes e simpatizantes a
envolverem-se nesse processo transformador.
Ao mesmo tempo que saúda este centésimo
aniversário da Revolução Russa, a CSS da CGTP-IN afirma que a sua experiência
é, contextualmente, perfeitamente compreendida e devidamente valorizada.
Mas afirma que, se os seus ensinamentos
são estudados perante a dimensão dos problemas e desafios contemporâneos, face
aos factos históricos e à realidade actual, a sua experiência jamais será
replicada.
Compreender esta evidência é a melhor
forma de saudar o centésimo aniversário da Revolução Russa!
Lisboa, 7 Novembro 2017
O Secretariado Nacional da
Corrente Sindical Socialista da CGTP-IN
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