Artigo de Opinião de Carlos Trindade e Fernando Gomes
Taxas elevadas de pobreza (antes da pandemia, estimavam-se em 91 milhões o número de pessoas em risco de pobreza), de desemprego (16 milhões, em Dezembro de 2020) e de desigualdades e de exclusões sociais (em Dezembro de 2020, 17,8% dos jovens estavam desempregados, estimavam-se que 700.000 pessoas dormiam nas ruas e que 22.2% de crianças viviam em agregados familiares pobres).
Num dos espaços geopolíticos mais desenvolvidos do Mundo, cerca de um quarto da população está arredada dos benefícios desse desenvolvimento. Esta chaga social existe porque, nos últimos cerca de vinte anos, políticas neoliberais passaram a ser implementadas pela Comissão Europeia.
O Modelo Social Europeu - o Estado Social (segurança social, serviço nacional de saúde e ensino publico), o diálogo social, a negociação e contratação colectiva) - tem sido sistematicamente atacado, e os sistemas fiscais dos Estados-membros entraram em concorrência entre si, e muitos deixaram de ser progressivos.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), aprovado em Junho de 1997, tem sido o principal instrumento desta estratégia neoliberal - os países da zona euro, pressionados, comprometeram-se a manter uma disciplina orçamental que sobrevaloriza os indicadores macroeconómicos e desvaloriza os indicadores sociais.
As consequências da pandemia ainda não estão estudadas, mas as notícias a nível europeu vão dando nota que a situação social tenderá a piorar! Por outro lado, as alterações climáticas e a rápida evolução tecnológica criam novos riscos que poderão agudizar a crise social.
Os cidadãos excluídos do bem-estar social, inseguros, reagem legitimamente, agindo e lutando, e muitas das revoltas populares (coletes amarelos, por exemplo) expressam esta situação!
É deste ambiente que se alimenta a extrema-direita. Apelando ao nacionalismo, contra o projecto europeu; elevando o populismo e glorificando o messianismo, contra o que designa de “sistema”; fazendo da imigração e das minorias o “bode expiatório” de todos os males da Sociedade e o catalisador das suas mensagens racistas e xenófobas.
Nós temos uma certeza absoluta – a actual situação é totalmente injusta e inaceitável e tem que ser combatida e resolvida. Somente políticas progressistas, rejeitando o neoliberalismo e a austeridade, privilegiando o bem comum, articulando o nível europeu e o dos Estados-membros, poderão solucionar a crise social. O melhor exemplo desta estratégia é a aquisição pela Comissão, em bloco, das centenas de milhões de vacinas contra a COVID que foram distribuídas pelos Estados-membros. Sem ser desta forma, Portugal muito dificilmente teria acesso às vacinas – alguém tem dúvidas?
Porém, esta é a Europa que temos, não é a Europa que desejamos e necessitamos! Mas, para a conquistarmos, temos que partir daquela que temos, pois, caso desaparecesse, sucederia um verdadeiro cataclismo societal. Cheia de contradições e com muitas injustiças, é certo, a Europa, contudo, continua a ser, a nível mundial, o melhor continente para viver, trabalhar e combater!
É neste quadro que o Governo Português, no contexto da Presidência Europeia, organizou a Cimeira Social que se vai realizar no Porto no dia 7 de Maio e a Cimeira Informal de Chefes de Estado e de Governo, também no Porto, em 8 de Maio.
Esforço poderoso, o do Governo português, para colocar na agenda europeia a questão social, considerando que a maioria dos governos dos Estados-membros é de centro-direita ou de direita (nalguns participando mesmo a extrema-direita) e adeptos do neoliberalismo.
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais, aprovado em Novembro de 2017, deverá ser o principal instrumento para essa agenda social europeia. Apesar das suas fragilidades e insuficiências, o Pilar vai na direcção certa!
Contudo, surpreendentemente, a CGTP-IN considera-o um instrumento neoliberal!! Discordamos completamente desta posição e recordamos que ela converge com a oposição que o patronato também faz ao Pilar! Pelo contrário, consideramos que o Pilar é uma ferramenta de mobilização, acção e pressão sindical e que esta posição da CGTP-IN confunde e desarma os trabalhadores.
Existem muitos obstáculos à concretização do Pilar, começando no patronato e acabando nos governos neoliberais – a sua implementação muito depende da acção dos sindicatos, da participação e luta dos trabalhadores e da intervenção das forças progressistas, quer a nível nacional quer a nível europeu, seja para o melhorar e pressionar a sua concretização, seja para negociar as formas de a materializar.
A CGTP-IN convocou, para o dia 8 de Maio uma manifestação no Porto, para protestar contra a Cimeira Social e (pretensamente) denunciar os malefícios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais,
Consideramos esta acção inoportuna e contraproducente pelos seus objectivos e conteúdos. Esta não é uma acção de apoio ao Modelo Social Europeu e contra os governos neoliberais que o pretendem destruir ou para erguer o Pilar, exigir a sua rápida e correcta concretização e defender os direitos e os salários - não, estrategicamente, esta não é uma acção benéfica!
Porém, como sindicalistas e dirigentes da CGTP-IN, e enquanto exercermos estas funções, consideramos que temos o dever de respeitar as decisões dos órgãos, mesmo aquelas com que divergimos absolutamente – é nesta conjuntura que vamos participar nesta acção.
7 MAIO 2021 10:26
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