27 junho 2025

Ideologia, o Bloqueio da Saúde (Ação Socialista n.º 1744 de 26.06.2025)

Por Carlos Amado

Até estou de acordo com o título que tantos “comentadores” e outros ditos independentes, ligados sempre aos grandes grupos financeiros que exploram a actividade privada, mas que por seriedade intelectual deveriam apontar como responsável a ideologia de direita que, desde a fundação do SNS, tudo tem feito para o destruir (por “acaso” ou talvez não, o PPD votou contra o SNS!).

O próprio Sistema de Saúde em que se inclui o SNS é sujeito a debate político, mas a saúde tal como é definida pela OMS é a mesma independentemente do setor e do enquadramento de que estejamos a falar.

Houve um largo consenso nacional, motivo pelo qual o SNS é considerado por todos uma das maiores conquistas de Abril, apesar de uns o quererem mais como serviço público, outros, mais à direita, mais de pendor privatista.

Vamos a factos:

1 – Em 1971 (!) foram publicados os Decretos-Lei n.º 413 e 414 como parte da "Legislação Gonçalves Ferreira", que visou a reforma do sistema de saúde e assistência em Portugal. O Decreto-Lei n.º 413/71 estabeleceu a organização do Ministério da Saúde e Assistência, enquanto o Decreto-Lei n.º 414/71 definiu o regime jurídico das carreiras profissionais dos funcionários do Ministério da Saúde de então. Havia várias realidades na saúde pelo país.

Lembrar que Portugal, à época, só dispunha de dois hospitais públicos, o Hospital de S. João e o Hospital de St.ª Maria, bem como de laboratórios, nos centros de saúde distritais, para a realização de análises clínicas, incluindo apoio à pesquisa de tuberculose detectada via SLAT (as vulgares micros que todos fazíamos na escola), bem como do controlo da qualidade de águas de consumo, recreio e termais, tendo para tal o apoio científico do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

Tal legislação, que resultou do conhecimento e experiência científica do Dr. Gonçalves Ferreira, sub-secretário de Estado da Saúde de Marcelo Caetano e do Dr. Arnaldo Sampaio (pai do “nosso” Jorge Sampaio), director-geral de Saúde, claro, “dois perigosos esquerdistas”, foi sempre boicotada quer pelo atraso na sua implementação, quer mesmo após o 25 de Abril e com especial incidência nos governos do PPD/CDS, retirando competências no apoio analítico que era feito às consultas nos centros de saúde, ao mesmo tempo que floresciam como cogumelos os laboratórios privados, para aonde eram encaminhados os doentes, deixando um número residual a serem atendidos pelos laboratórios públicos, até que, de um laboratório por distrito (18), passámos para cinco.

Aqui está o primeiro exemplo do bloqueio ideológico da direita!

 

2 – Outro dos slogans é que existem “listas de espera para cirurgias, consultas de especialidade e no acesso ao médico de família”.

Ora, sobre os cuidados de saúde primários, estão mal informados, pois se é residual, na zona Norte, o número de utentes sem médico de família, porque será que no resto do país tal não se passa?

Será que o número de unidades de saúde familiar (USF) tem tido a implementação que seria desejável, quando os profissionais não aceitam deixar o privado, por imperativos de habitação, custo de vida e outros, continuando sem existir mecanismos que os cativem?

Podem ter razão sobre a espera para cirurgias e consultas de especialidade. Mas... de quem tem sido a culpa de impedir a abertura de mais vagas nos cursos de Medicina e de serem criadas mais faculdades de Medicina?

Da situação anacrónica (apoiada pela direita) de uma Ordem dos Médicos continuar a ter o privilégio de impedir tal desiderato!

E os sucessivos responsáveis pelo Ministério da Saúde, que nunca se preocuparam com a distribuição de profissionais de saúde, cuja formação é paga por todos os contribuintes, pelo todo nacional, mau grado Portugal ter um dos melhores rácios de médicos por mil habitantes da Europa.

Aqui está o segundo exemplo de bloqueio pela direita!

 

3 – Os tais “independentes” comentadores que muito gostam de enumerar a existência de unidades de saúde, privadas e de IPSS, e interrogam-se sobre a existência de listas de espera.

Claro que “inocentemente” desvalorizam os protocolos entre as unidades públicas de saúde e os privados e IPSS para a realização de cirurgias, já que esses privados, no que diz respeito a consultas de especialidade, não têm, ao contrário do que afirmam, quadros médicos para tal.

Mais, como certamente tiveram experiência pessoal ou por conhecidos e familiares, quando as intervenções cirúrgicas são de grau de complexidade maior, os privados e as IPSS não as aceitam, até porque não dispõem de unidades de cuidados intensivos em número suficiente para que pudessem dar resposta; a sua manutenção técnica e humana é dispendiosa, e só o SNS consegue dar resposta.

Não esquecer algo que os mesmos varrem para debaixo do tapete. Durante a pandemia da COVID-19, os privados e IPSS fecharam as portas, não se preocupando com a tal complementaridade, ficando quase em exclusivo com as determinações analíticas, enquanto os laboratórios públicos só residualmente as realizavam.

Afirmar, como fazem, que “fixou-se a esquerda retrógrada (seja lá o que isso for) no SNS como único prestador de serviços” é FALSO, como atrás enumerámos.

O que tem sido feito é que o privado, sem regras e controlo, em “roubar” ao SNS os seus quadros, que foram formados com o dinheiro de todos os contribuintes, desnatando o SNS de quadros ao mesmo tempo que os partidos de direita têm sucessivamente impedido a criação de novas metodologias de exclusividade, bem como medidas de compensação ao Estado pela saída do SNS, aliás como existe, por exemplo, para os pilotos da nossa Força Aérea.

Aqui está o terceiro exemplo do bloqueio pela direita.

 

4 – Por fim, os tais comentadores muito gostam de afirmar do alto da sua cátedra que “uma das parvoíces da esquerda é afirmar que a saúde não é um negócio”. Mais uma vez, fazem afirmações sem qualquer fundamento, a não ser propaganda liberal/direitista, pois no nosso quadro legal existe o Sistema Nacional de Saúde, que engloba o SNS, os privados e as IPSS (que, naturalmente, terão lucros da sua actividade), mas o que deixam entendido com tanto ataque “à esquerda” é que, para eles, o melhor sistema era o de acabar com o SNS e deixar TUDO na mão dos privados.

Nem com o mau exemplo vindo dos Estados Unidos da América, com a falência dos seguros de saúde, que deixou milhões de americanos sem direito a cuidados de saúde porque as pessoas não ganham o suficiente para pagar um novo seguro de saúde, e só no tempo de Barack Obama, com a criação do Obama Care, se criaram condições para reverter a situação. Pois nem isso os faz vacilar na sua demagogia.

Aqui está o quarto bloqueio pela direita, que tudo tem feito para nos vender ilusões!

Felizmente, a maioria dos portugueses está “vacinada” contra o vírus liberal/direitista! 


Ação Socialista:

https://www.accaosocialista.pt/?edicao=1744#/1744/ideologia-o-bloqueio-da-saude

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