12 maio 2015

Artigo de Opinião de Mário Jorge Neves

O Acesso aos cuidados de saúde: 
um aspecto nuclear da política de saúde.


O direito à saúde está consagrado na nossa Constituição da República e tem no Serviço Nacional de Saúde (SNS) o seu instrumento operacional.

Em termos de resultados objectivos, que têm sido amplamente reconhecidos no plano internacional, o SNS constitui uma importante realização social do nosso regime democrático.

Embora exista, em sentido mais lato, um sistema nacional de saúde que engloba todos os sectores de actividade nesta área, é o SNS, como serviço público de qualidade, que assegura o direito geral e universal aos cuidados de saúde, e se constitui como o factor de equidade no Acesso.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que todas as pessoas devem poder atingir o seu potencial máximo de saúde, sem que as circunstâncias económicas e sociais impeçam esse objectivo.

Diversos estudos internacionais têm vindo a mostrar a existência de uma estreita relação entre a Saúde e o crescimento económico, alicerçada na equidade da distribuição dos cuidados de saúde.

Simultaneamente, a Saúde é, desde há vários anos, um elemento imprescindível na construção da coesão social e um dos factores mais importantes para o desenvolvimento sustentável de uma sociedade.

A Saúde constitui para a generalidade dos cidadãos um bem inestimável, altamente valorizado no conjunto das suas preocupações, e é entendida como um princípio basilar de cidadania.

O facto do nosso SNS possuir como uma das suas características essenciais o princípio da universalidade, tem contribuído para o fortalecimento de uma cidadania activa e do princípio de inclusão, bem como tem promovido uma cultura pública de redistribuição e de solidariedade, gerando a coesão social.

A defesa dinâmica do SNS implica a recusa de qualquer perspectiva imobilista e cristalizada que só conduziria ao seu definhamento irreversível e à sua inevitável destruição.

O sector da Saúde é um dos que, nas últimas décadas, tem conhecido uma maior revolução tecnológica, com a incorporação sucessiva de novos e cada vez mais sofisticados meios técnicos, bem como um desenvolvimento contínuo do conhecimento científico a nível diagnóstico e terapêutico.

Este aspecto determina, por si só, a impossibilidade de qualquer abordagem imobilista pela simples razão que se torna indispensável acompanhar sempre essa incorporação tecnológica com novas e adequadas fórmulas de organização do trabalho e da produção.

Na concretização do direito constitucional à saúde, assume uma importância central a questão do Acesso.

O Acesso define-se pelo grau de interacção entre os cidadãos e o sistema de saúde, estando relacionado com a oferta de serviços de um modo que responda às necessidades dos cidadãos e não com a simples disponibilidade dos recursos num determinado tempo e espaço.

O Acesso impõe a garantia de 4 dimensões: a disponibilidade ou não de serviços de saúde no local apropriado e no momento em que é necessário; o poder de pagamento dos cidadãos em função do custo de utilização dos serviços; o grau de informação dos doentes; e a aceitabilidade, baseada na natureza dos serviços prestados e na percepção da sua acção, pelos indivíduos e as comunidades.

Em múltiplos estudos, o Acesso tem sido caracterizado como a oportunidade de utilização dos serviços em circunstâncias que permitam o seu uso apropriado.

O Acesso aos cuidados de saúde é uma questão transversal a todas as áreas de actividade da Saúde.

A confiança no SNS constitui um elemento essencial para a equidade no Acesso.

A situação hoje existente no nosso país, fruto da actual acção governativa, encerra um vasto conjunto de perigos para o futuro do SNS, estando bem visíveis os resultados preocupantes a nível do acesso aos cuidados de saúde por via da criação de autênticos co-pagamentos e da diminuição da capacidade de resposta dos serviços.

Face aos aspectos enumerados, torna-se indispensável enunciar um conjunto de algumas medidas fundamentais para assegurar o Acesso aos cuidados de saúde, em plena consonância com o Artº 64º da Constituição da República.

1- Definir e implementar medidas articuladas que visem a progressiva delimitação entre os sectores prestadores.

2- Elaborar uma Carta Hospitalar com a avaliação da capacidade instalada em cada unidade e a definição de medidas de articulação e de hierarquização dos recursos disponíveis.

3- Redefinir a rede de referenciação hospitalar, tornando-a mais adequada às realidades locais e regionais, bem como aos respectivos perfis demográficos.

4- Estruturar e dinamizar uma estreita articulação e complementaridade entre os vários níveis de prestação de cuidados de saúde, mas salvaguardando a especificidade de cada um deles e impedindo qualquer concepção hospitalocentrica.

5- Definir com rigor um plano nacional das urgências, inserido e articulado com o processo de reforma a nível dos Cuidados de Saúde Primários e a nível da Rede Hospitalar.

6- Aprofundar a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários e desenvolver, com urgência, a reforma da rede hospitalar, tendo em conta que não é possível redinamizar globalmente o SNS somente com a reforma de uma das suas vertentes.

7- Dinamizar a rede de unidades de cuidados continuados, articulando a sua actividade com os restantes níveis prestadores de cuidados de saúde.

8- Promover a descentralização dos níveis de decisão, desenvolvendo uma responsabilização acrescida das estruturas intermédias e uma maior celeridade de todo o processo decisório no funcionamento integral das estruturas de saúde.

9- Incentivar a constituição de mais USF modelo A e B, promovendo uma cultura de maior responsabilização e avaliação para assegurar a integral capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos a nível da medicina geral e familiar. Reafirmar que as USF modelo C, tal como está estabelecido no respectivo diploma legal, só em casos excepcionais serão encaradas como possíveis e uma vez esgotados todas as outras soluções previstas.

10- Reformular o actual modelo organizacional dos centros de saúde, de modo a pôr termo aos mega agrupamentos de centros de saúde que se têm tornado um factor de liquidação de uma prestação de cuidados de saúde de proximidade.

11- Definir e implementar as medidas de criação dos Centros de Responsabilidade Integrados a nível hospitalar com o objectivo de promover uma maior agregação funcional entre as várias especialidades e uma departamentação adequada ao cumprimento da missão de cada uma dessas unidades. Tal como se verifica com as USF, esta modalidade permitiria uma maior funcionalidade na actividade hospitalar e uma mais célere capacidade de resposta global.

12- Definir a criação de incentivos de fixação dos profissionais de saúde nas zonas mais periféricas e de menor densidade populacional.

13- Abolição das taxas moderadoras a nível dos Centros de Saúde, tendo em conta que este nível prestador desempenha o papel fundamental em todo o sistema de saúde, bem como é aquele que desenvolve as actividades mais amplas de carácter preventivo.

14- Definição e uniformização de um sistema de informação nas unidades de saúde que coloque termo à actual situação de múltiplos sistemas deste tipo, sem compatibilizações entre eles, possibilitando um mais célere acesso à documentação a nível clínico.

15- Constituir, finalmente, o Conselho Nacional de Saúde, como primeiro passo para uma efectiva participação dos utentes e doentes nas estruturas de saúde, contribuindo para a uma maior ligação às comunidades locais e para uma maior adequação às respectivas prioridades assistenciais.

12 de Maio de 2015

Mário Jorge Neves

Vice-presidente da FNAM

Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul

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