O
Acesso aos cuidados de saúde:
um
aspecto nuclear da política de saúde.
O
direito à saúde está consagrado na nossa Constituição da República e tem no
Serviço Nacional de Saúde (SNS) o seu instrumento operacional.
Em
termos de resultados objectivos, que têm sido amplamente reconhecidos no plano
internacional, o SNS constitui uma importante realização social do nosso regime
democrático.
Embora
exista, em sentido mais lato, um sistema nacional de saúde que engloba todos os
sectores de actividade nesta área, é o SNS, como serviço público de qualidade,
que assegura o direito geral e universal aos cuidados de saúde, e se constitui
como o factor de equidade no Acesso.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que todas as pessoas devem poder
atingir o seu potencial máximo de saúde, sem que as circunstâncias económicas e
sociais impeçam esse objectivo.
Diversos
estudos internacionais têm vindo a mostrar a existência de uma estreita relação
entre a Saúde e o crescimento económico, alicerçada na equidade da distribuição
dos cuidados de saúde.
Simultaneamente,
a Saúde é, desde há vários anos, um elemento imprescindível na construção da
coesão social e um dos factores mais importantes para o desenvolvimento sustentável
de uma sociedade.
A
Saúde constitui para a generalidade dos cidadãos um bem inestimável, altamente
valorizado no conjunto das suas preocupações, e é entendida como um princípio
basilar de cidadania.
O
facto do nosso SNS possuir como uma das suas características essenciais o
princípio da universalidade, tem contribuído para o fortalecimento de uma
cidadania activa e do princípio de inclusão, bem como tem promovido uma cultura
pública de redistribuição e de solidariedade, gerando a coesão social.
A
defesa dinâmica do SNS implica a recusa de qualquer perspectiva imobilista e
cristalizada que só conduziria ao seu definhamento irreversível e à sua
inevitável destruição.
O
sector da Saúde é um dos que, nas últimas décadas, tem conhecido uma maior
revolução tecnológica, com a incorporação sucessiva de novos e cada vez mais
sofisticados meios técnicos, bem como um desenvolvimento contínuo do
conhecimento científico a nível diagnóstico e terapêutico.
Este
aspecto determina, por si só, a impossibilidade de qualquer abordagem
imobilista pela simples razão que se torna indispensável acompanhar sempre essa
incorporação tecnológica com novas e adequadas fórmulas de organização do
trabalho e da produção.
Na
concretização do direito constitucional à saúde, assume uma importância central
a questão do Acesso.
O
Acesso define-se pelo grau de interacção entre os cidadãos e o sistema de
saúde, estando relacionado com a oferta de serviços de um modo que responda às
necessidades dos cidadãos e não com a simples disponibilidade dos recursos num
determinado tempo e espaço.
O
Acesso impõe a garantia de 4 dimensões: a disponibilidade ou não de serviços de
saúde no local apropriado e no momento em que é necessário; o poder de
pagamento dos cidadãos em função do custo de utilização dos serviços; o grau de
informação dos doentes; e a aceitabilidade, baseada na natureza dos serviços
prestados e na percepção da sua acção, pelos indivíduos e as comunidades.
Em
múltiplos estudos, o Acesso tem sido caracterizado como a oportunidade de
utilização dos serviços em circunstâncias que permitam o seu uso apropriado.
O
Acesso aos cuidados de saúde é uma questão transversal a todas as áreas de
actividade da Saúde.
A
confiança no SNS constitui um elemento essencial para a equidade no Acesso.
A
situação hoje existente no nosso país, fruto da actual acção governativa,
encerra um vasto conjunto de perigos para o futuro do SNS, estando bem visíveis
os resultados preocupantes a nível do acesso aos cuidados de saúde por via da
criação de autênticos co-pagamentos e da diminuição da capacidade de resposta
dos serviços.
Face
aos aspectos enumerados, torna-se indispensável enunciar um conjunto de algumas
medidas fundamentais para assegurar o Acesso aos cuidados de saúde, em plena consonância
com o Artº 64º da Constituição da República.
1-
Definir e implementar medidas articuladas que visem a progressiva delimitação
entre os sectores prestadores.
2-
Elaborar uma Carta Hospitalar com a avaliação da capacidade instalada em cada
unidade e a definição de medidas de articulação e de hierarquização dos
recursos disponíveis.
3-
Redefinir a rede de referenciação hospitalar, tornando-a mais adequada às
realidades locais e regionais, bem como aos respectivos perfis demográficos.
4-
Estruturar e dinamizar uma estreita articulação e complementaridade entre os
vários níveis de prestação de cuidados de saúde, mas salvaguardando a
especificidade de cada um deles e impedindo qualquer concepção
hospitalocentrica.
5-
Definir com rigor um plano nacional das urgências, inserido e articulado com o
processo de reforma a nível dos Cuidados de Saúde Primários e a nível da Rede
Hospitalar.
6-
Aprofundar a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários e desenvolver, com
urgência, a reforma da rede hospitalar, tendo em conta que não é possível redinamizar
globalmente o SNS somente com a reforma de uma das suas vertentes.
7-
Dinamizar a rede de unidades de cuidados continuados, articulando a sua
actividade com os restantes níveis prestadores de cuidados de saúde.
8-
Promover a descentralização dos níveis de decisão, desenvolvendo uma
responsabilização acrescida das estruturas intermédias e uma maior celeridade
de todo o processo decisório no funcionamento integral das estruturas de saúde.
9-
Incentivar a constituição de mais USF modelo A e B, promovendo uma cultura de
maior responsabilização e avaliação para assegurar a integral capacidade de
resposta às necessidades dos cidadãos a nível da medicina geral e familiar. Reafirmar
que as USF modelo C, tal como está estabelecido no respectivo diploma legal, só
em casos excepcionais serão encaradas como possíveis e uma vez esgotados todas
as outras soluções previstas.
10-
Reformular o actual modelo organizacional dos centros de saúde, de modo a pôr
termo aos mega agrupamentos de centros de saúde que se têm tornado um factor de
liquidação de uma prestação de cuidados de saúde de proximidade.
11-
Definir e implementar as medidas de criação dos Centros de Responsabilidade
Integrados a nível hospitalar com o objectivo de promover uma maior agregação
funcional entre as várias especialidades e uma departamentação adequada ao
cumprimento da missão de cada uma dessas unidades. Tal como se verifica com as
USF, esta modalidade permitiria uma maior funcionalidade na actividade
hospitalar e uma mais célere capacidade de resposta global.
12-
Definir a criação de incentivos de fixação dos profissionais de saúde nas zonas
mais periféricas e de menor densidade populacional.
13-
Abolição das taxas moderadoras a nível dos Centros de Saúde, tendo em conta que
este nível prestador desempenha o papel fundamental em todo o sistema de saúde,
bem como é aquele que desenvolve as actividades mais amplas de carácter
preventivo.
14-
Definição e uniformização de um sistema de informação nas unidades de saúde que
coloque termo à actual situação de múltiplos sistemas deste tipo, sem
compatibilizações entre eles, possibilitando um mais célere acesso à
documentação a nível clínico.
15-
Constituir, finalmente, o Conselho Nacional de Saúde, como primeiro passo para
uma efectiva participação dos utentes e doentes nas estruturas de saúde,
contribuindo para a uma maior ligação às comunidades locais e para uma maior
adequação às respectivas prioridades assistenciais.
12 de Maio de 2015
Mário Jorge Neves
Vice-presidente da FNAM
Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul
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