25 outubro 2022

O orçamento de Estado para 2023 e a CGTP-INTERSINDICAL

 

OPINIÂO
Por Joaquim Jorge Veiguinha

A proposta de orçamento de Estado para 2023 caracteriza-se pela excessiva preocupação do Governo com o défice e a dívida pública. Segundo as estimativas do documento, o défice deverá atingir 0,9% do PIB no próximo ano, embora o Fundo Monetário Internacional (FMI) preveja que este deverá fixar-se em 1,4% do PIB. O Governo aposta também numa redução acelerada da dívida pública: de 125,8% do PIB, em 2021, para 115,8% do PIB, em 2022, e 110,8% do PIB, em 2023. Estas perspetivas justificam-se, em parte, pelo agravamento das despesas em juros que poderão gerar uma dívida insustentável, mas não podem servir de justificação para a timidez governamental relativa às medidas destinadas a repor o poder de compra da população mais desfavorecida perante uma inflação que, graças à invasão criminosa da Ucrânia pela horda de bárbaros da Rússia de Putin, não para de crescer.

Uma das limitações do OE para 2023 é a proposta de aumento salarial para a Função Pública, muito inferior tanto à taxa de inflação prevista para 2022 (7,8%, segundo o BdP), como para a de 2023 (4%, segundo as previsões governamentais): acréscimo de 52,11€ para vencimentos até 2600 euros brutos mensais (valor superior ao rendimento coletável, em que é deduzido o valor descontado para a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações) e apenas 2% para salários superiores a 2 600 € mensais, o que é manifestamente muito insuficiente. O Governo adota a perspetiva de que o aumento da procura deve ser restringido, quando a origem da inflação está na insuficiência da oferta, em consequência do enorme aumento dos preços dos alimentos e da energia provocado pela guerra de Putin contra o povo ucraniano. No entanto, tal não significa que o aumento das remunerações deva ser superior à taxa de inflação, mesmo tendo em conta que os trabalhadores da Função Pública tenham perdido, na última década, um considerável poder de compra. Assim, o aumento de 10% nos salários propostos pela CGTP apenas contribuirá para desencadear uma espiral inflacionista do lado da procura que se juntará assim à proveniente da oferta numa bela tabela de dupla entrada. Para Isabel Camarinha, secretária-geral da maior confederação sindical do país, tal não constitui, porém, um problema, pois “para os que dizem que é muito, que vem aí uma espiral inflacionista, afirmamos que a dita espiral inflacionista já cá está” (DN, 16. 10. 2022). Em suma, poder-se-á dizer, corroborando Isabel Camarinha, “perdido por um, perdido por cem…”.

Outros dos aspetos criticáveis do OE para 2023 é a proposta de aumento das pensões: 4,43% para pensões até 957,4 € € e 3,53% para as outras. Embora o pagamento de meia pensão em 2022 restabeleça, para 2023, o seu valor segundo a taxa de inflação de 8% prevista para o ano em curso, o seu aumento deverá acompanhar, pelo menos, a taxa de inflação de 2024, sob pena do empobrecimento considerável dos pensionistas. A justificação do Governo para esta timidez é que a partir de 2030 a Segurança Social registará saldos negativos. No entanto, se tivermos em conta o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FFSS), criado para contrastar os previsíveis défices futuros do sistema, aquela terá uma reserva de 34.332 milhões de euros em 2060, um valor equivalente a 112,8% da despesa anual com pensões, segundo as previsões governamentais (Fonte: Público, 11. 10. 2022). No entanto, tal não poderá significar que estaremos perante uma situação muito favorável que justifica um aumento de pensões muito mais significativo. Alguns foram induzidos em erro por estas previsões que calculam este saldo na base de uma taxa de rendibilidade anual do FFSS de 4%, quando há cinco meses e em setembro este não atingia sequer 2%. A extrapolação não tem grande fiabilidade, já que aquele valor resulta de uma situação circunstancial proveniente de um aumento considerável dos juros que, a médio e longo prazo, não é credível que se mantenha (atualmente, este fundo detém 12.000 milhões de títulos de dívida pública nacional). É de relevar que, para além do FFSS ser, na realidade, um fundo de ‘instabilização’ financeira gerado pela manifesta ausência de reformas no financiamento do sistema, a atual modalidade de descontos é insustentável a médio e longo prazo. No entanto, dizer, como Isabel Camarinha, que “os pensionistas estão a ter o maior ataque político às suas pensões que se poderia imaginar” (Público, 20. 10. 2022), não passa de uma prestidigitação ideológica, pois esquece deliberadamente que quem cortou pensões na Função Pública não foi o atual Governo do PS, mas o Governo do PSD/PP de Passos Coelho e Portas nos tempos da troika de má memória.

Outro aspeto que importa sublinhar na proposta de UE para 2022 relaciona-se com as tabelas do IRS. Destacam-se duas medidas: a redução da taxa de média de todos escalões, como consequência da redução taxa marginal do segundo escalão de 23% para 21%, e a atualização dos escalões em 5,1%, abaixo da taxa de inflação para 2022 que atinge cerca de 8%. Concordamos com a primeira medida, mas discordamos da segunda. Na prática, o contribuinte acabará por pagar, em termos reais, um IRS maior na proporção da diferença entre os valores das duas taxas.  Outro aspeto a sublinhar é que aumentos superiores à taxa de inflação, como o de 10 % proposto pela CGTP, terão o efeito perverso de colocar os contribuintes que estão próximos do limite superior de cada escalão do IRS no escalão imediatamente superior, aumentando o imposto a pagar: por exemplo, de acordo com este aumento, um contribuinte com um rendimento coletável anual de 20 000 €, situado no terceiro escalão com uma taxa média de 21,61%, auferiria 22 000 €, o que o colocaria no 4º escalão cuja taxa média é 24,48%.

Tudo aponta para que a CGTP ande, infelizmente, muito distraída na sua obsessão ideológica, que partilha com a direita e a extrema-direita em ascensão, de considerar o governo de maioria absoluta do PS como o principal alvo a abater. Em suma, é a tese de proveniência leninista que considera a política como uma guerra e o adversário político, com particular destaque para os ‘sociais-democratas’, herdeiros do ‘renegado Kautsky’, como o inimigo. Não dizia Marx, num dos seus piores momentos, que “a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas”?

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