A
proposta de orçamento de Estado para 2023 caracteriza-se pela excessiva
preocupação do Governo com o défice e a dívida pública. Segundo as estimativas
do documento, o défice deverá atingir 0,9% do PIB no próximo ano, embora o
Fundo Monetário Internacional (FMI) preveja que este deverá fixar-se em 1,4% do
PIB. O Governo aposta também numa redução acelerada da dívida pública: de
125,8% do PIB, em 2021, para 115,8% do PIB, em 2022, e 110,8% do PIB, em 2023.
Estas perspetivas justificam-se, em parte, pelo agravamento das despesas em
juros que poderão gerar uma dívida insustentável, mas não podem servir de
justificação para a timidez governamental relativa às medidas destinadas a repor
o poder de compra da população mais desfavorecida perante uma inflação que, graças
à invasão criminosa da Ucrânia pela horda de bárbaros da Rússia de Putin, não
para de crescer.
Uma
das limitações do OE para 2023 é a proposta de aumento salarial para a Função
Pública, muito inferior tanto à taxa de inflação prevista para 2022 (7,8%,
segundo o BdP), como para a de 2023 (4%, segundo as previsões governamentais):
acréscimo de 52,11€ para vencimentos até 2600 euros brutos mensais (valor
superior ao rendimento coletável, em que é deduzido o valor descontado para a
Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações) e apenas 2% para salários
superiores a 2 600 € mensais, o que é manifestamente muito insuficiente. O
Governo adota a perspetiva de que o aumento da procura deve ser restringido,
quando a origem da inflação está na insuficiência da oferta, em consequência do
enorme aumento dos preços dos alimentos e da energia provocado pela guerra de
Putin contra o povo ucraniano. No entanto, tal não significa que o aumento das
remunerações deva ser superior à taxa de inflação, mesmo tendo em conta que os
trabalhadores da Função Pública tenham perdido, na última década, um
considerável poder de compra. Assim, o aumento de 10% nos salários propostos
pela CGTP apenas contribuirá para desencadear uma espiral inflacionista do lado
da procura que se juntará assim à proveniente da oferta numa bela tabela de
dupla entrada. Para Isabel Camarinha, secretária-geral da maior confederação
sindical do país, tal não constitui, porém, um problema, pois “para os que
dizem que é muito, que vem aí uma espiral inflacionista, afirmamos que a dita
espiral inflacionista já cá está” (DN, 16. 10. 2022). Em suma, poder-se-á
dizer, corroborando Isabel Camarinha, “perdido por um, perdido por cem…”.
Outros
dos aspetos criticáveis do OE para 2023 é a proposta de aumento das pensões: 4,43%
para pensões até 957,4 € € e 3,53% para as outras. Embora o pagamento de meia
pensão em 2022 restabeleça, para 2023, o seu valor segundo a taxa de inflação
de 8% prevista para o ano em curso, o seu aumento deverá acompanhar, pelo
menos, a taxa de inflação de 2024, sob pena do empobrecimento considerável dos pensionistas.
A justificação do Governo para esta timidez é que a partir de 2030 a Segurança
Social registará saldos negativos. No entanto, se tivermos em conta o Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança Social (FFSS), criado para contrastar os previsíveis
défices futuros do sistema, aquela terá uma reserva de 34.332 milhões de euros
em 2060, um valor equivalente a 112,8% da despesa anual com pensões, segundo as
previsões governamentais (Fonte: Público, 11. 10. 2022). No entanto, tal
não poderá significar que estaremos perante uma situação muito favorável que justifica
um aumento de pensões muito mais significativo. Alguns foram induzidos em erro
por estas previsões que calculam este saldo na base de uma taxa de rendibilidade
anual do FFSS de 4%, quando há cinco meses e em setembro este não atingia
sequer 2%. A extrapolação não tem grande fiabilidade, já que aquele valor resulta
de uma situação circunstancial proveniente de um aumento considerável dos juros
que, a médio e longo prazo, não é credível que se mantenha (atualmente, este
fundo detém 12.000 milhões de títulos de dívida pública nacional). É de relevar
que, para além do FFSS ser, na realidade, um fundo de ‘instabilização’
financeira gerado pela manifesta ausência de reformas no financiamento do
sistema, a atual modalidade de descontos é insustentável a médio e longo prazo.
No entanto, dizer, como Isabel Camarinha, que “os pensionistas estão a ter o
maior ataque político às suas pensões que se poderia imaginar” (Público,
20. 10. 2022), não passa de uma prestidigitação ideológica, pois esquece
deliberadamente que quem cortou pensões na Função Pública não foi o atual
Governo do PS, mas o Governo do PSD/PP de Passos Coelho e Portas nos tempos da
troika de má memória.
Outro
aspeto que importa sublinhar na proposta de UE para 2022 relaciona-se com as
tabelas do IRS. Destacam-se duas medidas: a redução da taxa de média de todos
escalões, como consequência da redução taxa marginal do segundo escalão de 23%
para 21%, e a atualização dos escalões em 5,1%, abaixo da taxa de inflação para
2022 que atinge cerca de 8%. Concordamos com a primeira medida, mas discordamos
da segunda. Na prática, o contribuinte acabará por pagar, em termos reais, um
IRS maior na proporção da diferença entre os valores das duas taxas. Outro aspeto a sublinhar é que aumentos
superiores à taxa de inflação, como o de 10 % proposto pela CGTP, terão o efeito
perverso de colocar os contribuintes que estão próximos do limite superior de
cada escalão do IRS no escalão imediatamente superior, aumentando o imposto a
pagar: por exemplo, de acordo com este aumento, um contribuinte com um
rendimento coletável anual de 20 000 €, situado no terceiro escalão com
uma taxa média de 21,61%, auferiria 22 000 €, o que o colocaria no 4º
escalão cuja taxa média é 24,48%.
Tudo aponta para que a CGTP ande, infelizmente, muito distraída na sua obsessão ideológica, que partilha com a direita e a extrema-direita em ascensão, de considerar o governo de maioria absoluta do PS como o principal alvo a abater. Em suma, é a tese de proveniência leninista que considera a política como uma guerra e o adversário político, com particular destaque para os ‘sociais-democratas’, herdeiros do ‘renegado Kautsky’, como o inimigo. Não dizia Marx, num dos seus piores momentos, que “a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas”?
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