06 março 2025

Trabalhar para viver ou viver para trabalhar?

Autor (a): Eduardo Chagas

Uma grande maioria da população trabalhadora gostaria de trabalhar menos e de poder cessar a sua atividade profissional numa idade em que possa ainda desfrutar, com condições dignas, uma reforma tranquila, com a família e amigos.

Existem, no entanto, atividades que pela sua natureza, penosidade ou perigosidade, justificam um tratamento diferenciado daquele que está estabelecido para a maioria dos trabalhadores.

Em tempos de governação por partidos de direita, invariavelmente, é questionada a sustentabilidade do sistema de pensões e da segurança social, sempre na perspetiva de provar a inevitabilidade de dar ao setor privado uma fatia cada vez maior deste apetecível “negócio”.

Assim acontece atualmente com o governo da AD, que criou um grupo de trabalho para discutir a sustentabilidade da segurança social, para o qual nomeou um conhecido defensor acérrimo da privatização do sistema e que, como recordou o deputado Tiago Barbosa Ribeiro na AR, “faz parte do Conselho Estratégico Nacional do PSD e que há anos escreve e dá entrevistas em tom cataclísmico sobre o futuro da Segurança Social”.

Ao mesmo tempo, um grupo de trabalho criado já pelo anterior governo e relançado pelo atual em outubro, deverá elaborar um “estudo das profissões de desgaste rápido”. Em reunião com os parceiros sociais no passado mês de janeiro, foi apresentado um documento síntese antecipando a apresentação do estudo final, prevista para março deste ano, no qual, por um lado se questiona a manutenção dos regimes especiais já existentes (trabalhadores marítimos e da pesca, mineiros, desportistas, controladores de tráfego aéreo, entre outros), e, por outro, se defende a ideia de que, apesar de exercerem profissões de desgaste rápido, os trabalhadores não deveriam ter bonificação no acesso à idade de reforma, mas antes ser reconvertidos para outras atividades que lhes permitam continuar a trabalhar até à idade normal de aposentação. Não é feita qualquer referência ao impacto que a dita atividade de desgaste rápido possa ter tido na saúde física e psíquica do trabalhador.

Entretanto o Bloco de Esquerda, está a promover uma petição à AR que pretende a alteração do regime aplicável ao trabalho por turnos e noturno, incluindo entre outras, a redução da idade de acesso à reforma.

Vem isto a propósito dos contactos que, na qualidade de dirigente do Sindicato Oficiaismar, efetuei recentemente com um coletivo “invisível” de trabalhadores, que integram a equipa de controlo e segurança das operações portuárias.

 

Operador de VTS – a segurança em solitário

O operador de VTS (Vessel Traffic Service, ou Serviço de Tráfego de Navios) contribui para assegurar operações marítimas seguras e eficientes, providenciando um serviço de segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar, prevenção da poluição nos portos e  nas suas áreas de aproximação. Deste modo, a estes profissionais incube a vigilância e a monitorização do tráfego marítimo podendo despoletar o fornecimento de serviços náuticos, adequados e atempados, em situações de emergências marítimas. Na sua maioria são profissionais detentores de curso superior da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, muitos com experiência de trabalho como oficiais a bordo de navios da marinha mercante.

Este pequeno coletivo de trabalhadores e trabalhadoras, asseguram um serviço por turnos, 24 sobre 24 horas por dia, 365 dias por ano, sendo normalmente um único operador VTS por turno. Isso implica, por exemplo, que as refeições são tomadas na própria bancada de trabalho… Ou que, quando um dos colegas que forma a equipa adoece, ou tira férias, são os restantes colegas que devem assegurar os turnos que ele deixa de fazer, e nalguns casos sem qualquer compensação adicional em folgas ou monetária.

Na ronda de contactos pelos VTS dos portos de Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines, tomei conhecimento de viva voz da dura realidade que vivem os operadores de VTS. E é uma realidade comum a muitos dos que fazem trabalho por turnos e noturno, com a particularidade de o fazerem sós no seu posto de trabalho: impactos negativos sobre a saúde – maior incidência de cancro, diabetes tipo 2, transtorno dos hábitos alimentares, alteração do sono, fadiga, stresse, etc. - e sobre a vida familiar e social.

Vários artigos consultados, atribuem à Organização Internacional do Trabalho a afirmação de que por cada 15 anos de trabalho noturno, os trabalhadores perdem 5 anos de vida! Entre os operadores de VTS no ativo, vários têm mais de 20 anos de serviço, em regime continuado de turnos, incluindo trabalho noturno.

Assim, e embora consideremos que uma revisão geral do atual quadro de profissões de desgaste rápido seja um exercício que arrisca somar mais perturbação no panorama laboral português, justificar-se-ia a análise, caso a caso, de respostas para grupos específicos de profissionais. Não é possível continuar a olhar para o outro lado, e, com o argumento de que se fará uma avaliação conjunta de todos os casos, deixá-los ad eternum entregues à sua (má) sorte. É imperativo atuar, embora tarde, no sentido de dar a estes trabalhadores uma perspetiva de poder desfrutar, com um mínimo de qualidade de vida, os seus anos de reforma. Ao Partido Socialista sugerimos a apresentação de uma proposta que garanta um regime de redução gradual da idade de acesso à reforma, consoante o número de anos trabalhado nessas funções, sem perda de direitos.


Ação Socialista:

https://www.accaosocialista.pt/?edicao=1670#/1670/trabalhar-para-viver-ou-viver-para-trabalhar