24 abril 2025

Serviço Nacional de Saúde: Passado, Presente e Futuro (Acção Socialista n.º 1707 de 24.04.2025)

Autor (a): Mário Castro







Serviço Nacional de Saúde: Passado, Presente e Futuro (Ação Socialista n.º 1707 de 24.04.2025)

 Autor (a): Mário Castro

Como profissional de saúde e sindicalista, a perspetiva sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal é moldada por anos de experiência e dedicação ao serviço público de saúde, sempre em prol de um sistema de saúde mais equitativo, acessível e universal. O SNS, criado em 1979, sempre foi um pilar essencial na promoção da saúde e no bem-estar dos cidadãos. Contudo, como qualquer outra grande instituição organizacional, enfrenta constantes desafios que exigem reflexão e ação.

Vivemos tempos de grandes mudanças, onde o discurso cada vez mais demagógico e perigoso sugere que tudo o que foi feito até agora é mau, que todo o sistema deverá mudar e que todas as organizações criadas ao longo dos anos da nossa democracia devem desaparecer. Esse discurso, propagado principalmente pelas redes sociais e pela extrema-direita, encontra também algum apoio na direita moderada, que muitas vezes se deixa levar pela espuma das ondas. No entanto, é crucial refletirmos sobre a importância de instituições como o SNS, que desempenham um papel fundamental na coesão da nossa sociedade. Num momento de incerteza e polarização, é necessário questionar se devemos realmente destruir o que foi construído, ou se, ao invés disso, deveríamos aprimorar e valorizar o que já temos.

Passado: Universalização dos cuidados de Saúde/ A Construção de um Pilar de Equidade

Na sua fundação, o SNS foi concebido para assegurar o acesso universal e igualitário aos cuidados de saúde. Esta visão foi crucial num período em que muitos portugueses não tinham acesso a serviços de saúde. Com o tempo, o SNS conseguiu reduzir desigualdades, melhorar indicadores de saúde como a mortalidade infantil e aumentar a esperança de vida, refletindo o impacto positivo do investimento público na saúde.

Presente: Desafios e Oportunidade

Hoje, o SNS enfrenta desafios significativos, incluindo o envelhecimento demográfico, os crescentes fluxos migratórios, escassez de profissionais de saúde e restrições orçamentais sentidas pelos diversos Hospitais ou Unidades Locais de Saúde. Se por um lado a pandemia de COVID-19 destacou a resiliência do SNS e a sua indispensável utilidade em momentos de crise, expôs também algumas fragilidades, como a falta de recursos humanos e a necessidade de modernização das infraestruturas.

É importante destacar que, apesar das dificuldades enfrentadas, muitos indicadores revelam que o nosso sistema de saúde encontra-se acima da média dos países da OCDE. Segundo o Relatório "Health at a Glance 2023", a expectativa média de vida em Portugal é de 81,5 anos, 1,2 anos acima da média da OCDE, posicionando-nos entre os países com as mais altas taxas de longevidade da Europa. Além disso, as taxas de mortalidade evitável são baixas, especialmente em doenças tratáveis ou preveníveis, como as doenças cardiovasculares e o cancro. Em termos de custo-efetividade, o SNS apresenta custos relativamente baixos em comparação com outros países da Europa, mantendo ao mesmo tempo a qualidade e o acesso ao atendimento. Outro ponto positivo é a alta cobertura vacinal, que desempenha um papel fundamental na prevenção de doenças contagiosas e na promoção da saúde pública.

No entanto, o tema da privatização da saúde continua a ser amplamente debatido. Embora haja quem defenda que a privatização poderia ser a panaceia para todos os problemas, é nosso dever alertar para os riscos consideráveis, como o aumento das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde num país cada vez mais desigual. Um SNS público e humanizado é crucial para garantir que a saúde seja tratada como um direito e não como um privilégio para poucos.

Futuro: Foco na promoção da saúde num Serviço Público cada vez mais humanizado

Para garantir a sustentabilidade do SNS, é essencial manter o foco na promoção da saúde. Isso inclui a prevenção de doenças através de campanhas de educação, programas de rastreio e promoção de estilos de vida saudáveis. Um SNS humanizado valoriza o cidadão como um todo, considerando as suas necessidades físicas, emocionais e sociais. Só assim podemos a médio e longo prazo aliviar a pressão dos Hospitais.

A inovação tecnológica pode também desempenhar um papel essencial na modernização do SNS, desde a telemedicina até ao uso de inteligência artificial para diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficientes. No entanto, é crucial que essas inovações sejam acessíveis a todos, evitando um fosso digital que possa excluir os mais vulneráveis.

Por fim, gostaria de partilhar um breve testemunho sobre o Serviço Regional de Saúde, no qual tenho trabalhado há mais de 20 anos. A Região Autónoma da Madeira enfrenta um cenário único, com desafios específicos por ser uma região ultraperiférica. O Serviço Regional de Saúde da Madeira (SRSM) tem se adaptado a essas particularidades, oferecendo um modelo inspirado no SNS, mas que precisa lidar com questões complexas, como logística e acesso a especialidades médicas e tratamentos especializados.

Entre os benefícios do SRSM, destaca-se uma abordagem mais personalizada e a capacidade de ajustar os serviços às necessidades locais. Contudo, também enfrentamos desafios significativos, como a escassez de recursos, os elevados custos de transporte de doentes e a necessidade de deslocações ao continente para tratamentos mais complexos. Esses obstáculos exigem soluções criativas e colaborativas para garantir o atendimento adequado a todos.

Além disso, é fundamental reconhecer e valorizar os profissionais de saúde, que são a verdadeira espinha dorsal do sistema. São esses profissionais, com dedicação e compromisso, que asseguram o funcionamento do sistema e o atendimento de qualidade à população, muitas vezes enfrentando condições de trabalho desafiadoras e sobrecarga de tarefas. Investir na valorização desses profissionais, com melhores condições de trabalho, formação contínua e remuneração justa, é essencial para a sustentabilidade do sistema de saúde e para garantir a qualidade dos cuidados prestados.

O futuro do SNS e do SRSM dependerá da capacidade de ambos os sistemas de se adaptarem às mudanças demográficas, tecnológicas e económicas, preservando a equidade e a humanização como princípios fundamentais. A saúde vai além da ausência de doença; ela envolve o bem-estar físico, mental e social. Por isso, manter um serviço de saúde público robusto, humanizado e que valorize seus profissionais é essencial para promover a saúde de todos os cidadãos.

CSS da CGTP-IN/Saúde

Imagem da CGTP-IN

Ação Socialista:

10 abril 2025

A educação numa encruzilhada (Acção Socialista n.º 1698 de 10.04.2025)

 Autor (a): José Pinheiro

Sobretudo a partir do início dos anos oitenta do séc. XX, o neoliberalismo tem marcado a agenda política, nomeadamente na Europa e na América. Grande parte do seu discurso, no que à educação diz respeito, assenta o seu enfoque nos problemas, naquilo a que designaram crise educativa.

Muitos dos temas em discussão foram determinados por esta corrente, medidas então preconizadas pelo neoliberalismo galopante: cheque-ensino, liberdade de escolha ou liberdade de ensino, privatização, rankings...

São teses que tiveram um grande impulso no tempo de Reagan e Tatcher e que continuam a fazer o seu curso até agora. Frequentemente apresentaram-se como um voltar às “boas” receitas do passado. O futuro o dirá se onda gigante ou arrufo de passadistas de que não rezará a História.

            De certa maneira, e no que à educação diz respeito, trata-se de pôr em prática a “Teoria X”, tal como a descreveu Douglas McGregor, nos anos 60. Aplicada à situação dos professores, diríamos que os mesmos seguem uma rotina rígida, com pouca autonomia, com controle por meio de inspeções, metas e relatórios. Há falta de incentivo para inovação e colaboração. Sentem-se como executores, não como educadores. Como resultado provável, baixa motivação, risco de esgotamento (burnout) e resistência a mudanças pedagógicas.

Douglas McGregor, no seu livro “The Human Side of Enterprise”, em português “O Lado Humano da Empresa”, editado pela Livraria Clássica Editora e, mais recentemente, pela Ed. Martins Fontes (1999), apresenta as duas visões opostas sobre a gestão e comportamento humano no trabalho. Na “Teoria X”, visão tradicional e pessimista, os gestores partem da suposição que os trabalhadores são naturalmente preguiçosos e evitam o trabalho sempre que possível, têm aversão à responsabilidade, precisam de ser controlados, vigiados e punidos, não se motivam pela autorrealização e evitam mudanças ou desafios. Gestores que seguem esta teoria tendem a ter um estilo autoritário, centralizador e baseado em regras rígidas, controlo intenso e punições. É o modelo que vê os funcionários como engrenagens e não como pessoas capazes de iniciativa. As “engrenagens” do filme “Modern times” (Tempos modernos), de Charlie Chaplin…

Em contraponto, McGregor propôs a “Teoria Y” como alternativa positiva: acredita que as pessoas gostam de trabalhar, valorizam a autonomia, o reconhecimento e a responsabilidade. Mais: parte do princípio que as pessoas são criativas e capazes de se autogerir quando as condições são adequadas.

O que pretendemos?

● Uma escola que procura concretizar o ideal da igualdade de oportunidades, da inclusão;

● Uma escola para a cidadania e emancipadora;

● Uma escola que procura por regra fundamentar-se nos dados das Ciências da Educação;

● Uma escola que assume uma posição progressista.

            Em suma: impõe-se a construção de uma escola que responda às exigências de uma sociedade democrática.

A defesa do acesso e sucesso de largos setores da sociedade à escolaridade esteve sempre associada à defesa de uma sociedade mais igualitária e mais livre. Sobretudo nos tempos que atravessamos torna-se incontornável ter isto bem presente, e agir em conformidade.

            Enquanto o liberalismo propôs os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo centra-se no mercado, remetendo o cidadão para a dimensão de cidadão-consumidor. É a “liberdade de supermercado”: acontece é que, tendo a liberdade de comprar, muitos ficam de fora porque não têm os meios para aceder ao que precisam.

            No discurso neoliberal a educação deixa de pertencer ao domínio do social e do político para se integrar no mercado, com a ‘neutralidade’ própria de qualquer produto ou mercadoria.

            Perante esta encruzilhada exige-se não simplesmente um olhar técnico, mas uma abordagem política assumida.

CSS da CGTP-IN/Educação


Ação Socialista: