Autor (a): Mário Castro
Como profissional de
saúde e sindicalista, a perspetiva sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em
Portugal é moldada por anos de experiência e dedicação ao serviço público de
saúde, sempre em prol de um sistema de saúde mais equitativo, acessível e
universal. O SNS, criado em 1979, sempre foi um pilar essencial na promoção da
saúde e no bem-estar dos cidadãos. Contudo, como qualquer outra grande
instituição organizacional, enfrenta constantes desafios que exigem reflexão e
ação.
Vivemos tempos de grandes mudanças, onde o discurso cada vez mais demagógico e perigoso sugere que tudo o que foi feito até agora é mau, que todo o sistema deverá mudar e que todas as organizações criadas ao longo dos anos da nossa democracia devem desaparecer. Esse discurso, propagado principalmente pelas redes sociais e pela extrema-direita, encontra também algum apoio na direita moderada, que muitas vezes se deixa levar pela espuma das ondas. No entanto, é crucial refletirmos sobre a importância de instituições como o SNS, que desempenham um papel fundamental na coesão da nossa sociedade. Num momento de incerteza e polarização, é necessário questionar se devemos realmente destruir o que foi construído, ou se, ao invés disso, deveríamos aprimorar e valorizar o que já temos.
Passado: Universalização
dos cuidados de Saúde/ A Construção de um Pilar de Equidade
Na sua fundação, o SNS foi concebido para assegurar o acesso universal e igualitário aos cuidados de saúde. Esta visão foi crucial num período em que muitos portugueses não tinham acesso a serviços de saúde. Com o tempo, o SNS conseguiu reduzir desigualdades, melhorar indicadores de saúde como a mortalidade infantil e aumentar a esperança de vida, refletindo o impacto positivo do investimento público na saúde.
Presente: Desafios
e Oportunidade
Hoje, o SNS enfrenta
desafios significativos, incluindo o envelhecimento demográfico, os crescentes
fluxos migratórios, escassez de profissionais de saúde e restrições orçamentais
sentidas pelos diversos Hospitais ou Unidades Locais de Saúde. Se por um lado a
pandemia de COVID-19 destacou a resiliência do SNS e a sua indispensável
utilidade em momentos de crise, expôs também algumas fragilidades, como a falta
de recursos humanos e a necessidade de modernização das infraestruturas.
É importante destacar
que, apesar das dificuldades enfrentadas, muitos indicadores revelam que o
nosso sistema de saúde encontra-se acima da média dos países da OCDE. Segundo o
Relatório "Health at a Glance 2023", a expectativa média de vida em
Portugal é de 81,5 anos, 1,2 anos acima da média da OCDE, posicionando-nos
entre os países com as mais altas taxas de longevidade da Europa. Além disso,
as taxas de mortalidade evitável são baixas, especialmente em doenças tratáveis
ou preveníveis, como as doenças cardiovasculares e o cancro. Em termos de
custo-efetividade, o SNS apresenta custos relativamente baixos em comparação
com outros países da Europa, mantendo ao mesmo tempo a qualidade e o acesso ao
atendimento. Outro ponto positivo é a alta cobertura vacinal, que desempenha um
papel fundamental na prevenção de doenças contagiosas e na promoção da saúde
pública.
No entanto, o tema da privatização da saúde continua a ser amplamente debatido. Embora haja quem defenda que a privatização poderia ser a panaceia para todos os problemas, é nosso dever alertar para os riscos consideráveis, como o aumento das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde num país cada vez mais desigual. Um SNS público e humanizado é crucial para garantir que a saúde seja tratada como um direito e não como um privilégio para poucos.
Futuro: Foco
na promoção da saúde num Serviço Público cada vez mais humanizado
Para garantir a
sustentabilidade do SNS, é essencial manter o foco na promoção da saúde. Isso
inclui a prevenção de doenças através de campanhas de educação, programas de
rastreio e promoção de estilos de vida saudáveis. Um SNS humanizado valoriza o cidadão
como um todo, considerando as suas necessidades físicas, emocionais e sociais.
Só assim podemos a médio e longo prazo aliviar a pressão dos Hospitais.
A inovação tecnológica
pode também desempenhar um papel essencial na modernização do SNS, desde a
telemedicina até ao uso de inteligência artificial para diagnósticos mais
precisos e tratamentos mais eficientes. No entanto, é crucial que essas
inovações sejam acessíveis a todos, evitando um fosso digital que possa excluir
os mais vulneráveis.
Por fim, gostaria de
partilhar um breve testemunho sobre o Serviço Regional de Saúde, no qual tenho
trabalhado há mais de 20 anos. A Região Autónoma da Madeira enfrenta um cenário
único, com desafios específicos por ser uma região ultraperiférica. O Serviço
Regional de Saúde da Madeira (SRSM) tem se adaptado a essas particularidades,
oferecendo um modelo inspirado no SNS, mas que precisa lidar com questões
complexas, como logística e acesso a especialidades médicas e tratamentos
especializados.
Entre os benefícios do
SRSM, destaca-se uma abordagem mais personalizada e a capacidade de ajustar os
serviços às necessidades locais. Contudo, também enfrentamos desafios
significativos, como a escassez de recursos, os elevados custos de transporte
de doentes e a necessidade de deslocações ao continente para tratamentos mais
complexos. Esses obstáculos exigem soluções criativas e colaborativas para
garantir o atendimento adequado a todos.
Além disso, é fundamental
reconhecer e valorizar os profissionais de saúde, que são a verdadeira espinha
dorsal do sistema. São esses profissionais, com dedicação e compromisso, que
asseguram o funcionamento do sistema e o atendimento de qualidade à população,
muitas vezes enfrentando condições de trabalho desafiadoras e sobrecarga de
tarefas. Investir na valorização desses profissionais, com melhores condições
de trabalho, formação contínua e remuneração justa, é essencial para a
sustentabilidade do sistema de saúde e para garantir a qualidade dos cuidados
prestados.
O futuro do SNS e do SRSM dependerá da capacidade de ambos os sistemas de se adaptarem às mudanças demográficas, tecnológicas e económicas, preservando a equidade e a humanização como princípios fundamentais. A saúde vai além da ausência de doença; ela envolve o bem-estar físico, mental e social. Por isso, manter um serviço de saúde público robusto, humanizado e que valorize seus profissionais é essencial para promover a saúde de todos os cidadãos.
CSS da CGTP-IN/Saúde
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