16 junho 2025

Da necessidade de reformulação das carreiras na Administração Pública (Ação Socialista n.º 1736 de 12.06.2025)

Por Ludovina Sousa

O sistema de carreiras na Administração Pública foi brutalmente alterado por via do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de Julho. Com este diploma foram extintas 1716 carreiras e categorias do âmbito da administração directa e indirecta do Estado, das administrações regionais e autárquicas e de outros órgãos do Estado, resultando desta redução apenas 3 carreiras gerais: Técnico Superior, Assistente Técnico e Assistente Operacional – um imenso “saco azul”, que veio desvalorizar as profissões, reduzindo-as a meras actividades e/ou funções e apenas visou reduzir salários e travar progressões.

Certo é que uma revisão se tornava necessária, uma vez que existiam várias carreiras para uma mesma profissão – cite-se a título de exemplo a profissão de cozinheiro em que existiam 28 carreiras diferentes - dependendo do serviço: ministério, autarquia, direcção-geral, instituto público…  que permitia sobretudo diferenças salariais substantivas. 

Esta remodelação foi efectuada, no pressuposto errado, de que os trabalhadores da administração pública eram promovidos regular e periodicamente, independentemente do mérito.  Nada mais errado:

- as carreiras ditas horizontais (auxiliares e operários de baixa qualificação) apenas progrediam por escalões na horizontal, de 3 em 3 anos e algumas de 4 em 4 anos, que mais não eram que o equivalente a uma diuturnidade no sector privado.

- as carreiras verticais, constituídas por vários níveis e/ou categorias poderiam progredir na vertical (subida de categoria) ou na horizontal – escalão.

Esta progressão (vertical) dependia de vários factores: da passagem do tempo (3 anos), da classificação de serviço (sistema de avaliação) não inferior a BOM, da existência de vaga no quadro de pessoal e de…vontade política – de abertura ou não do concurso de promoção.

Ou seja, não é verdadeira a afirmação de que os trabalhadores da Administração Pública progrediam na carreira de uma forma facilitista sem ter em conta o mérito e valia-profissionais. 

Se é verdade que o sistema de avaliação – classificação de serviço – não apreciava nem distinguia o mérito,  e os trabalhadores eram “corridos” a Bom de uma forma meramente administrativa, a verdade é que o novo sistema de avaliação – Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho na Administração  Pública  - SIADAP, operado pela Lei 10/2004 de 22 de Março e depois alterado pela Lei 66-B/2007 de 28 de Dezembro, falhou redondamente os seus propósitos,  em nada contribuindo para a melhoria da eficiência e eficácia da administração e a valorização dos trabalhadores.

Esta reestruturação, a par com os baixos salários e o congelamento dos escalões desde 2005 até 2008, e depois o congelamento de 2011 a 2018 veio desmotivar os trabalhadores, tornar pouco atractivo o ingresso na administração, levando ao recurso a trabalhadores em regimes de precariedade e/ou a entrega de serviços públicos essenciais a empresas privadas, com notório prejuízo para o cidadão, uma vez que estas empresas se regem pelo princípio do consumidor/pagador.

Daqui resultou, pois, uma dificuldade crescente de contratação de trabalhadores para a Administração Pública com especial impacto na Administração Local que oferece aos seus cidadãos uma panóplia de actividades e serviços que não se coaduna com um sistema de carreiras tão redutor.  Não raros são os procedimentos concursais, nas autarquias, que ou ficam desertos - obrigando ao recurso a empresas de outsourcing, fomentando assim a precariedade laboral - ou por outro lado, são avassalados por centenas de candidaturas que apenas dificultam e demoram o procedimento de contratação, consumindo tempo e recursos.   

 O novo sistema de carreiras veio  desvalorizar completamente a formação não académica, pelo que em termos de remuneração - e sem desrespeito pela profissão - tanto aufere um trabalhador que que desempenhe uma tarefa  para a qual não é necessária qualquer formação específica, como um trabalhador operário ou técnico  especializado, detentor de um Curso de Formação Profissional, de nível III ou IV, que lhe confere conhecimentos para desempenho de profissões especializadas:  mecânicos automóvel, electricistas, marceneiros, canalizadores, topógrafos, técnicos de biblioteca, arquivo e documentação, animadores desportivos e animadores sócio culturais…enfim uma miríade de profissões que exigem conhecimentos especializados e não necessariamente uma formação de nível superior.

E se pensarmos que de há décadas a esta parte, se incentivou e fomentou o ensino técnico-profissional, largamente apoiado por fundos comunitários. que foram gastos milhões de euros em Formação Profissional mais bizarra se afigura esta alteração.   Se não é o Estado a dar o exemplo e valorizar este tipo de ensino e aprendizagens, esperamos que o faça o sector privado?

Urge, pois, repensar o sistema de carreiras na Administração Pública, criando um sistema que respeite as diversas profissões, se adeqúe às qualificações dos trabalhadores com vista a tornar mais atractivo o ingresso e permanência na Administração Pública, contribuindo assim para a melhoria dos serviços públicos e satisfação dos cidadãos.


Ação Socialista:

https://www.accaosocialista.pt/?edicao=1736#/1736/da-necessidade-de-reformulacao-das-carreiras-na-administracao-publica

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