Autor (a): Ludovina Sousa
O artigo 59.º da
Constituição consagra o direito de todos os trabalhadores à assistência e justa
reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional,
bem como à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde, o
que envolve a adopção de políticas de prevenção dos acidentes de trabalho e das
doenças profissionais.
A reparação de
acidentes de trabalho na Administração Pública (AP) rege-se pelo disposto no
decreto-lei 503/99 de 20 de novembro. Este diploma atribui à entidade
empregadora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes dos
acidentes e doenças profissionais, bem como a competência exclusiva para a
qualificação do acidente e mantém o princípio da não transferência da responsabilidade
para entidades seguradoras, excepção das autarquias locais. Atribui à Caixa
Geral de Aposentações a responsabilidade pela reparação em todos os casos de
incapacidade permanente.
O citado normativo foi
alterado pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que veio estabelecer mecanismos
de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime
geral da segurança social conferindo ao artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99,
de 20 de novembro, alterações no regime de acumulação de prestações por
incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional com
remunerações ou pensões.
Em virtude da solução
normativa vertida na alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º do supra citado regime,
em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho
ou doença profissional, tendo em conta a natureza indemnizatória da prestação
periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, tal prestação não é
acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da
redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador (incapacidade
parcial inferior a 30%), pelo que o seu pagamento fica suspenso até que ocorra
a aposentação do trabalhador, altura em que terá direito a receber a
reparação pelo acidente, sendo neste caso, a mesma acumulável com a pensão de
aposentação mas apenas no montante que exceda aquela (pagamento da pensão por
incapacidade que é depois deduzida na pensão de aposentação).
Esta questão foi
objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização
sucessiva na sequência de pedido formulado por S. Exª. Sr. Provedor de Justiça
- Acórdão n.º 786/2017, que concluiu no sentido de que este regime não viola o
direito fundamental à justa reparação por infortúnio laboral, nem o princípio
da igualdade (respectivamente, artigo 59.º, n.º 1, alínea f), e artigo 13.º da
Constituição da República Portuguesa).
Por força desta
alteração, em todos os acidentes de trabalho ocorridos a partir de 2014, e que
tenham como consequência incapacidades permanentes parciais inferiores a 30% os
sinistrados ficam impedidos de receber a pensão correspondente até ao momento
da sua aposentação e que será depois paga pela Caixa Geral de Aposentações
(doravante CGA) que deve ser reembolsada das despesas e prestações que tenha
suportado pela entidade empregadora, independentemente da respectiva natureza
jurídica ou grau de autonomia.
Tal impedimento redunda
na irreparabilidade dos danos causados na saúde, no corpo e na capacidade de
aquisição de ganho, daqui resultando uma grosseira violação do direito dos
trabalhadores em funções públicas à assistência e justa reparação dos acidentes
de trabalho, consagrada na alínea f) do nº 1 do art.º 59º da Constituição a
República.
Por outro lado, tendo
em conta a distância temporal, que pode atingir décadas, até ao momento da
aposentação e efectivo recebimento, ocorrerá certamente uma degradação
progressiva do valor a receber, atentando também contra o estatuído na al.
f) do artº 59º da CRP.
Desde a publicação do
Código do Trabalho, em 2003 - Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto - que se
verifica uma tendência crescente de aproximação dos regimes de trabalho privado
e público, incluindo em matéria de segurança e saúde no trabalho pelo que o
regime de reparação de acidentes de trabalho deveria também convergir.
Estabelece-se,
portanto, aqui uma atroz diferenciação entre trabalhadores. O trabalhador em
funções públicas é visto apenas como um objecto de trabalho não sendo
considerada a repercussão - dano corporal - que uma lesão permanente e
duradoura por acidente de trabalho possa ter na sua existência como indivíduo.
Num momento em que os
direitos laborais dos trabalhadores públicos e privados se aproximam não se
compreende um tratamento tão díspar no ressarcimento dos danos causados em
acidente de trabalho.
- O douto Acórdão do Tribunal Constitucional (n.º 786/2017) em nada contribuiu para a aproximação dos dois regimes. Após a prolação desta decisão, apenas o Tribunal Central Administrativo do Sul produziu duas decisões em sentido contrário, sendo ainda, muito ténue a jurisprudência neste sentido.
Urge, pois, uma intervenção legislativa!
CSS da CGTP-IN/Administração Central, Regional e Local