09 janeiro 2025

A crise intemporal da Justiça (Jornal Ação Socialista n.º 1635 de 09.01.2025)

Autor: Fernando Jorge Fernandes

Quando abordamos as diversas questões da área da Justiça, desde logo surgem os diversos “especialistas” a fazer os diagnósticos e a apresentar as terapêuticas que na sua douta sabedoria são sempre as mais adequadas.

Bem podemos dizer que a Justiça está na ordem do dia, pelo menos nos últimos 20 anos.

As televisões, as rádios e a imprensa escrita praticamente todos os dias ocupam espaços informativos e de debate sobre a justiça.

O que é certamente positivo. Deixaram de ser apenas os profissionais da área a pronunciarem-se sobre as questões da justiça. O cidadão passou a ter maior interesse e consciência sobre as questões relacionadas com a justiça, o que se saúda!

Todavia, sempre que se fala de justiça, falamos de crise!

E sobre a crise da justiça há sempre uma forte tendência para culpar os agentes judiciários: ou são os juízes que são demasiado brandos ou então muito duros; ou os Procuradores do Ministério Público, porque investigam ou não investigam, acusam ou arquivam, ou os advogados porque recorrem demais e, claro neste leque de “culpados” incluem-se também os oficiais de justiça.

Há ainda os que, de forma simplista e salomónica consideram que a culpa é de todos.

O que desde logo implica que a responsabilidade não é de ninguém!

Sejamos claros: o funcionamento do sistema de justiça, particularmente dos tribunais é sem dúvida deficiente e provoca muitos entraves na desejável celeridade e qualidade de funcionamento do mesmo.

Ou seja, o grande problema do nosso sistema de justiça é obviamente estrutural.

E não foi a reforma Judiciária de 2014 implementada pelo Governo PSD/CDS, que veio alterar para melhor o funcionamento do sistema.

Apesar dos sucessivos avisos das estruturas sindicais de Juízes, Procuradores e oficiais de justiça e até da Ordem dos Advogados, de que não estavam reunidas as necessárias condições para a sua implementação, o Governo PSD-CDS/PP teimou em implementar no terreno a nova organização judiciária, que diminuía as 231 comarcas até então existentes para apenas 23 novas comarcas e encerrando 20 tribunais. - Reforma do Mapa Judiciário, DL 49/2014, de 27/3, que regulamenta a Lei 62/2013, de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Este novo modelo assentou em duas grandes opções políticas desse Governo PSD/CDS: diminuição e consequente afastamento dos tribunais das populações e um novo modelo de gestão.

Foi patente a algumas jurisdições, um excessivo afastamento entre o cidadão e as estruturas judiciárias – separação que atingiu sobretudo zonas territoriais e segmentos populacionais já vitimizados por outros fatores de vulnerabilidade, nomeadamente os que decorrem da interioridade.

A mencionada diminuição da oferta de serviços judiciários aos cidadãos refletiu-se sobretudo nas áreas sociais, com a diminuição e consequente afastamento dos tribunais de trabalho e de Família e Menores, assim se dificultando o desejável acesso à resolução da conflitualidade emergente nestas importantes áreas da justiça.

Esta reforma, que foi efectuada num quadro de falta de mais de 1.000 oficiais de justiça, com obras de adaptação à nova realidade a decorrer e em grande parte dos tribunais e, principalmente, com o sistema informático obsoleto e por isso desadequando e desajustado das necessidades desta gigantesca mudança de paradigma acabou por ocasionar gravíssimos constrangimentos no normal funcionamento do sistema de justiça.

Tribunais houve onde os processos estiveram parados mais de 3 meses com centenas de diligências, incluindo julgamentos, adiados devido ao mencionado “apagão” do sistema informático dos tribunais.

Bem se pode dizer que a implementação desta famigerada reforma causou o caos nos tribunais.

E a situação só foi atenuada quando em 2016 o Ministério da Justiça do Governo do Partido Socialista decidiu aproximar a justiça dos cidadãos, procedendo à correcção de erros do mapa judiciário do anterior Governo PSD/CDS. Desde logo com a reactivação de 20 circunscrições (tribunais) que haviam sido extintas, e aí se passando a praticar, tal como nas 23 anteriormente designadas secções de proximidade, diversos actos judiciais, assim se operando uma imprescindível aproximação entre o tribunal que julga e a comunidade.

Eis aqui um exemplo paradigmático daquilo que pode e deve ser melhorado no funcionamento do sistema de justiça, pela intervenção do poder político.

Aqui chegados é, pois, altura de responsabilizar fortemente o poder político, quer o executivo quer o legislativo pela tão badalada crise da justiça que todos falam.

São os sucessivos governos que têm tido os meios económicos e políticos para a resolver e não o têm feito. Apenas se registando um indesejável inflacionamento de medidas legislativas contraditórias e inconsequentes que tem determinado uma diminuição da qualidade e da celeridade da justiça.

É um erro de análise dizer-se que são os agentes da justiça que criam e alteram o sistema de justiça e que são os responsáveis pela má legislação, pelas deficientes estruturas e pelo sistemático déficit de profissionais.

Tudo isso é responsabilidade do poder político.

Compete-lhe decidir e contemplar os Orçamentos de Estado com os meios económicos e financeiros necessários para resolver as falhas de magistrados, oficiais de justiça, instalações, meios tecnológicos e também, claro, uma adequada formação de todos os seus agentes.

Como disse um anterior Bastonário, o problema fundamental da Justiça é a sistemática falta de investimento por parte dos sucessivos governos.

A justiça e os tribunais são seguramente uma área da nossa sociedade com muitas outras questões que merecem uma abordagem especifica: os processos mediáticos, as prescrições, o corporativismo das agentes judiciários, a separação de poderes, o segredo de justiça e tantos outros, são certamente temas que justificam uma reflexão especifica.

CSS da CGTP-IN/Justiça

Ação Socialista

https://www.accaosocialista.pt/#/1635/a-crise-intemporal-da-justica