Autor: Fernando Jorge Fernandes
Quando abordamos as diversas questões
da área da Justiça, desde logo surgem os diversos “especialistas” a fazer os
diagnósticos e a apresentar as terapêuticas que na sua douta sabedoria são
sempre as mais adequadas.
Bem podemos dizer que a Justiça está na
ordem do dia, pelo menos nos últimos 20 anos.
As televisões, as rádios e a imprensa
escrita praticamente todos os dias ocupam espaços informativos e de debate
sobre a justiça.
O que é certamente positivo. Deixaram
de ser apenas os profissionais da área a pronunciarem-se sobre as questões da
justiça. O cidadão passou a ter maior interesse e consciência sobre as questões
relacionadas com a justiça, o que se saúda!
Todavia, sempre que se fala de justiça,
falamos de crise!
E sobre a crise da justiça há sempre
uma forte tendência para culpar os agentes judiciários: ou são os juízes que
são demasiado brandos ou então muito duros; ou os Procuradores do Ministério
Público, porque investigam ou não investigam, acusam ou arquivam, ou os
advogados porque recorrem demais e, claro neste leque de “culpados” incluem-se
também os oficiais de justiça.
Há ainda os que, de forma simplista e
salomónica consideram que a culpa é de todos.
O que desde logo implica que a
responsabilidade não é de ninguém!
Sejamos claros: o funcionamento do
sistema de justiça, particularmente dos tribunais é sem dúvida deficiente e
provoca muitos entraves na desejável celeridade e qualidade de funcionamento do
mesmo.
Ou seja, o grande problema do nosso
sistema de justiça é obviamente estrutural.
E não foi a reforma Judiciária de 2014
implementada pelo Governo PSD/CDS, que veio alterar para melhor o funcionamento
do sistema.
Apesar dos sucessivos avisos das
estruturas sindicais de Juízes, Procuradores e oficiais de justiça e até da
Ordem dos Advogados, de que não estavam reunidas as necessárias condições para
a sua implementação, o Governo PSD-CDS/PP teimou em implementar no terreno a
nova organização judiciária, que diminuía as 231 comarcas até então existentes
para apenas 23 novas comarcas e encerrando 20 tribunais. - Reforma do Mapa
Judiciário, DL 49/2014, de 27/3, que regulamenta a Lei 62/2013, de 26/8 (Lei da
Organização do Sistema Judiciário).
Este novo modelo assentou em duas
grandes opções políticas desse Governo PSD/CDS: diminuição e consequente
afastamento dos tribunais das populações e um novo modelo de gestão.
Foi patente a algumas jurisdições, um
excessivo afastamento entre o cidadão e as estruturas judiciárias – separação
que atingiu sobretudo zonas territoriais e segmentos populacionais já
vitimizados por outros fatores de vulnerabilidade, nomeadamente os que decorrem
da interioridade.
A mencionada diminuição da oferta de
serviços judiciários aos cidadãos refletiu-se sobretudo nas áreas sociais, com
a diminuição e consequente afastamento dos tribunais de trabalho e de Família e
Menores, assim se dificultando o desejável acesso à resolução da
conflitualidade emergente nestas importantes áreas da justiça.
Esta reforma, que foi efectuada num
quadro de falta de mais de 1.000 oficiais de justiça, com obras de adaptação à
nova realidade a decorrer e em grande parte dos tribunais e, principalmente,
com o sistema informático obsoleto e por isso desadequando e desajustado das
necessidades desta gigantesca mudança de paradigma acabou por ocasionar
gravíssimos constrangimentos no normal funcionamento do sistema de justiça.
Tribunais houve onde os processos
estiveram parados mais de 3 meses com centenas de diligências, incluindo
julgamentos, adiados devido ao mencionado “apagão” do sistema informático dos
tribunais.
Bem se pode dizer que a implementação
desta famigerada reforma causou o caos nos tribunais.
E a situação só foi atenuada quando em
2016 o Ministério da Justiça do Governo do Partido Socialista decidiu aproximar
a justiça dos cidadãos, procedendo à correcção de erros do mapa judiciário do
anterior Governo PSD/CDS. Desde logo com a reactivação de 20 circunscrições
(tribunais) que haviam sido extintas, e aí se passando a praticar, tal como nas
23 anteriormente designadas secções de proximidade, diversos actos judiciais,
assim se operando uma imprescindível aproximação entre o tribunal que julga e a
comunidade.
Eis aqui um exemplo paradigmático
daquilo que pode e deve ser melhorado no funcionamento do sistema de justiça,
pela intervenção do poder político.
Aqui chegados é, pois, altura de
responsabilizar fortemente o poder político, quer o executivo quer o
legislativo pela tão badalada crise da justiça que todos falam.
São os sucessivos governos que têm tido
os meios económicos e políticos para a resolver e não o têm feito. Apenas se
registando um indesejável inflacionamento de medidas legislativas
contraditórias e inconsequentes que tem determinado uma diminuição da qualidade
e da celeridade da justiça.
É um erro de análise dizer-se que são
os agentes da justiça que criam e alteram o sistema de justiça e que são os
responsáveis pela má legislação, pelas deficientes estruturas e pelo sistemático
déficit de profissionais.
Tudo isso é responsabilidade do poder político.
Compete-lhe decidir e contemplar os
Orçamentos de Estado com os meios económicos e financeiros necessários para
resolver as falhas de magistrados, oficiais de justiça, instalações, meios
tecnológicos e também, claro, uma adequada formação de todos os seus agentes.
Como disse um anterior Bastonário, o
problema fundamental da Justiça é a sistemática falta de investimento por parte
dos sucessivos governos.
A justiça e os tribunais são seguramente uma área da nossa sociedade com muitas outras questões que merecem uma abordagem especifica: os processos mediáticos, as prescrições, o corporativismo das agentes judiciários, a separação de poderes, o segredo de justiça e tantos outros, são certamente temas que justificam uma reflexão especifica.
CSS da CGTP-IN/Justiça
Ação Socialista
https://www.accaosocialista.pt/#/1635/a-crise-intemporal-da-justica
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